ANO
DE 1948
Memorial-apelo da Câmara Municipal de Rio das
Pedras, por iniciativa e redação do então 1º Secretário ¾
L.A.B. ¾
ao Congresso Nacional, em 12-06-1948. Câmara Municipal de Rio das Pedras,
Estado de São Paulo. Ofício nº 100/48 - Assunto: Fazendo um apelo ao Congresso
Nacional em favor dos trabalhadores rurais do País. Em 12 de junho de 1948.
Exmos Sr. Membros do Congresso Nacional. Palácio Tiradentes. Rio de Janeiro.
Excelentíssimos Senhores. Os vereadores da Câmara Municipal de Rio das Pedras,
Estado de São Paulo, pedem vênia para dirigir a Vossas Excelências um apelo em
favor da humildes criaturas que mourejam na lavoura do País. Leva-nos a assumir
esta despretenciosa atitude o desejo de cumprir nossos deveres para com a
sacrificada classe agrícola, pela qual fomos eleitos. Por outro lado temos
também a satisfação de poder prestar, assim, nossa singela cooperação para a
solução do problema que vem empolgando a consciência nacional: CUSTO DE VIDA
ELEVADO. De 1945 para cá, o custo
de vida no País tem aumentado de maneira
vertiginosa, conseqüência natural da queda da produção agrícola. Por
esse motivo tem sido necessário aumentar constantemente os salários dos
empregados em geral e dos funcionários civis e militares. As empresas e os
poderes públicos vem concedendo aumentos gradativos de vencimentos, que logo em
seguida são considerados insuficientes devido as novas elevações nos custos dos
gêneros indispensáveis à subsistência humana. Agora estamos assistindo nova
avalanche de pedidos de aumentos,
reajustamentos, equiparações, e o argumento invocado nas reclamações é sempre o
mesmo: CUSTO DE VIDA ELEVADO. Mas, nesse ritmo, os salários se irão redobrando,
e, não sendo aumentada a produção de gêneros alimentícios, em breve estará
criada uma situação insustentável, de conseqüências imprevisíveis. Com
satisfação vemos que, no momento, o Exmo. Sr. Presidente da República estuda
com carinho os meios para solucionar o magno problema da produção, problema
que, infelizmente, não poderá ser resolvido a curto prazo. Receamos que as
medidas que venham a ser adotadas não possam produzir efeitos seguros e reais,
sem primeiro eliminar as causas do êxodo rural. Já tivemos financiamentos para
o algodão e o café, e os beneficiados foram os açambarcadores e magnatas do
comércio e jamais os lavradores, salvo raríssimas exceções. Como medidas
repressivas tivemos o Tribunal de Segurança, com suas leis implacáveis para
coibir abusos contra a economia popular, mas os resultados, porém, não foram
satisfatórios. Tivemos o Plano de Emergência para proteção da produção
agrícola, plano tem também não atingiu seus objetivos. Todos sabemos e ninguém
poderia ignorar que o preço da mercadoria se eleva quando diminui a produção. O
custo de vida elevado, pois, é um simples efeito constituindo um sorvedouro de
salários. Assim, aumentar os salários é remediar, inutilmente, o efeito e
estimular, sempre mais, o fortalecimento da causa. O Brasil precisa cuidar de
sua agricultura, para aumentar a produção e baixar o custo de vida. A
causa principal da queda da produção de gêneros é a falta de braços, devido o
êxodo rural, fruto do desamparo em se acham os lavradores. Em zonas
fertilíssimas do Estado, em que até há pouco se cultivavam cereais em larga
escala, hoje estão plantando eucalipto ou transformando em pastagens justamente
por falta de trabalhadores. A mesma falta de braços, porém, não se verifica nas
cidades; enquanto que na capital do Estado de São Paulo havia, no ano de 1940,
um milhão (1.000.000) de habitantes, hoje, oito anos após, aquela cidade possui
uma população de cerca de dois milhões (2.000.000). Desse vultoso aumento, pelo
menos quinhentos mil pessoas vieram da zona rural. O mesmo fato se tem
verificado em outras grandes cidades e centros industriais, como Santos,
Campinas, Sorocaba, Piracicaba, Americana, cujas populações tem sido aumentadas
de maneira extraordinária. São assim milhões de braços que abandonaram as lavouras, deixando de cultivas
"as terras de tal maneira que, querendo aproveitar, dar-se-á de tudo
nelas", na expressão textual de Pero Vaz de Caminha há cinco séculos
passados. Com isso cresce fabulosamente a produção citadina, que no ano de 1947
atingiu a cifra de Cr$50.000.000.000 ( cincoenta bilhões de cruzeiros) não
passando a produção agrícola de quinze bilhões, segundo recentes declarações do
Sr. Secretário da Agricultura do Estado de São Paulo. O jornal "Diário de
São Paulo" de 16-05-48 publica um mapa demonstrando que a produção de
gêneros alimentícios no país atingiu em 1930 dezesseis milhões de toneladas, cabendo
uma per capita de 483 quilos, e no ano de 1946 baixando 417 quilos e finalmente
em 1947 reduzindo-se para 410 quilos per capita. Esses fatos se revestem da
maior gravidade quando consideramos que a população das cidades tendo maior
poder aquisitivo absorve uma parcela do que caberia à população rural. Enquanto
que nas cidades há famílias que moram em favelas, cortiços, porões, barracões,
nos sítios e fazendas, além de não haver construções novas, as casas existentes
vão se esvaziando, à espera de emigrantes, que quando chegam alarmam-se diante
de tanta miséria e fogem também para as cidades, como fizeram recentemente os
emigrantes holandeses. O jornal "South American Journal" de Londres,
segundo notícia publicada pela Folha da Manhã de 19-12-47, comenta "que o
padrão de vida do trabalhador rural brasileiro é muito baixo, razão porque o
seu vasto território que comportaria uma população até de seiscentos milhões de
habitantes, vivem apenas quarenta e cinco milhões". No Estado de São
Paulo, que é considerado um dos mais prósperos da Federação, a mortalidade
infantil atinge, em certos municípios, índices desalentadores, como, por
exemplo, o de Itaí, onde, no ano de 1945 nasceram 255 crianças e morreram 245!
( "O Estado de São Paulo", do dia 14-05-48). Isso vem demonstrar o
desamparo extremo em que se acha a nossa população rural. Costumamos ouvir
dizer: " no Brasil ninguém morre de fome", mas na zona rural perecem
os nossos patrícios em conseqüência da má alimentação, sub-nutrição, morrem de
impaludismo, amarelão, anemia, e sobre tudo por falta de assistência, e aprova
dessas tristes verdades é o elevado índice de mortalidade infantil. Mães
sub-alimentadas geram filhos raquíticos, candidatos a todas as enfermidades.
Daí as justas razões porque os homens do campo se tem homiziado nas cidades,
onde encontram santas casas, ambulatórios, creches, postos de puericultura,
além de sindicatos, associações de classe, institutos de aposentadoria e
pensões, em fim garantias que anulam a única dificuldade que nelas enfrentam: a
falta de habitações. E há ainda a considerar que muitos dos homens que ficam no
campo por mal alimentados e doentios, não podem trabalhar e produzir, como
seria justo deles exigir. Sabemos que os problemas da lavoura não se resolvem
em poucos dias, mas é necessário que se iniciem medidas que venham, de fato,
direta e de modo concreto, favorecer os trabalhadores da roça, aos pequenos
lavradores, aos enxadeiros propriamente ditos, porque são esses que mais
sofrem, estoicamente, incapazes de protestar. Entretanto, se os poderes
públicos, em vez de corrigir os defeitos que emperram a produção agrícola, se
em vez eliminar as suas causas continuam remediando seus efeitos, elevando,
sempre mais, os vencimentos dos próprios funcionários, e o mesmo fazendo os
industriais quanto aos seus operários , então o País continuará importando
batatas da Holanda, cebola e trigo da Argentina, ervilha, feijão e leite em pó
da América do Norte, e virá também a importar arroz do Japão como fazia há 25
anos atrás. Justamente nós que somos um país essencialmente agrícola e que
fomos considerados pelos Estado Unidos, no início do último conflito mundial,
como " O CELEIRO DO ATLÂNTICO". A única lavoura sólida, em São Paulo,
era, até pouco tempo, a canavieira. Embrenha-se também essa lavoura no
desfalecimento e no desânimo diante da tentativa do Instituo do Açúcar e do
Álcool no sentido de tornar sem efeito a Resolução nº79/44 de 12-04-44,
pretendendo assim relegar ao desamparo milhares de humildes trabalhadores e fornecedores paulistas que cultivam
seus canaviais para vendê-los aos usineiros vizinhos durante a safra que se
está iniciando. Se for
concretizada essa ameaça do I.A.A. , então estará consumado mais um calamitoso
golpe contra os pobres homens do campo, eternas vítimas. Isso servirá para
aumentar a descrença no seio da agricultura, avolumando-se o já enorme êxodo
rural. Ainda com referência ao Instituto do Açúcar e do Álcool é de recordar-se
que essa autarquia cobrou durante
muitas safras, até a de 1946/47, além da taxa fixa de Cr$ 3,10, mais uma
sobre taxa de Cr$ 4,00 por saca de açúcar paulista, a fim de, com o rendimento
dessa anti-constitucional sobre-taxa, fazer baixar o custo do açúcar para os
consumidores cariocas, visto que no Rio de Janeiro esse precioso alimento era
vendido mais barato que em São Paulo. A única explicação conhecida era a de que
a população do Distrito Federal precisava ser melhor tratada a fim de evitar os
perigos de greves, protestos e até depredações. Pois bem, esse mesmo critério
absurdo e paradoxal prevalece ainda em certas capitais e centros industriais,
onde não faltam farinha de trigo, óleo, etc. e enquanto isso as pobre
populações do interior recorrem às "filas" e ao "câmbio
negro", se quiserem alimentar-se. Esquecem-se, porém, os responsáveis por
esse inconcebível protecionismo de que a greve mais danosa, catastrófica mesmo,
seria greve dos homens do campo que, desamparados, desesperados de tanto
sofrer, se recusassem a colher os cereais, café algodão, produtos que se não
forem recolhidos no tempo certo se perderão fatalmente. Uma indústria parada
fará o adiamento da produção; com as colheitas agrícolas, porém, não poderá
haver adiamento e COLHEITA NÃO REALIZASA É PRODUÇÃO INUTILIZADA. Senhores
membros do Congresso Nacional: torna-se necessário salvar os homens do campo,
amparando a lavoura. Da zona rural em todos os produtos de que necessitamos
para a nossa alimentação, e é ainda da campo que sai a quase totalidade das
matérias primas que movimentam as indústrias da cidade. Algodão, seda, madeira,
couros e uma infinidade de outros produtos-bases são fornecidos pela zona
rural, transformando-se depois em milhares de utilidades. Voltemos, pois, os
nossos olhos para os homens que labutam no campo, pequenos proprietários e
trabalhadores braçais, homens humildes que, trabalhando de sol a sol, desejam
apenas manter suas famílias e ver o seu querido Brasil mais próspero e feliz.
Eis porque nós, vereadores de um dos menores municípios do Estado de São Paulo,
deliberamos, traduzindo os anseios da classe pela qual fomos eleitos, encarecer
a Vossas Excelências a adoção de medidas que correspondam ao seguinte: I)
Assistência real, direta e permanente aos lavradores nos próprios locais de
cultura; II) Fixação de preços razoáveis para os produtos agrícolas, durante as
safras e entre-safras, sob orientação e fiscalização das Prefeituras Municipais
e Casas da Lavoura. Dessa forma os agricultores seriam estimulados a plantar
mais, e estando pré-fixados os preços dos gêneros, ficaria restringida a ação
dos açambarcadores, que na época das colheitas fazem baixar as cotações, para
provocar depois altas espetaculares, aniquilando, ao mesmo tempo, as finanças
das duas classes mais desfavorecidas: PRODUTORES E CONSUMIDORES. Com os
rendimento obtidos poderão os lavradores, patrões e empregados, melhorar seus
níveis de vida, saindo, desde logo, das dificuldades em que tem vivido. III)
Fornecimento de sementes aclimatadas e selecionadas, bem como adubos e
formicidas por preços mínimos. Fornecimento de enxadas, cultivadores e outras máquinas
agrícolas a preços reduzidos.
Assim as culturas produzirão mais e melhor, conduzindo ao equilíbrio das
necessidades do consumo e exportando as sobras, com salutares vantagens para as
finanças do País. IV) Construção em todas as sedes de municípios e
provisoriamente nas sedes das comarcas grandes armazéns, com câmaras de expurgo
anexas, a fim de que eventuais excessos de produção sejam aí depositados e
expurgados, possibilitando um financiamento rápido e eficiente, até que sejam
vendidos ou exportados. V) Finalmente assistência sanitária aos lavradores por
intermédio dos Postos de Saúde mais próximos, afim de que as habitações rurais
se revestissem dos indispensáveis preceitos de higiene e salubridade. Neste
setor há muitíssimo que fazer, pois as condições de certas residências roceiras
são tão precárias que, atingindo as raias do inacreditável, contribuem
decisivamente para consumação da elevada média de mortalidade infantil. As
providências contidas nos quatro ítens acima vem sendo estudadas e prometidas
há muitos e muitos anos; entretanto a realidade está aí a demonstrar que ainda
não saíram do campo dos estudos. Senhores Senadores, Senhores Deputados, o
Brasil precisa produzir muito para alimentar melhor seu povo, e precisa ainda
exportar bastante para adquirir divisas no mercado estrangeiro. No ano de 1947
compramos mais do que vendemos, pois importamos mercadorias no valor de Cr$ 22
bilhões e 789 milhões e exportamos Cr$ 21 bilhões e 179 milhões, isto é,
DISPENDEMOS mais Cr$ 1 bilhão e 610 milhões. Quanto às exportações do corrente
ano, só no primeiro trimestre registramos um decréscimo de Cr$ 1 bilhão, 313
milhões e 154 mil, sobre igual período do ano passado. Para prosperidade, pois,
do Brasil é preciso INVERTER, QUANTO ANTES, ESSAS CIFRAS. "O BRASIL, PAÍS
DO FUTURO", segundo escreveu
Stefan Zweig, sendo considerado essencialmente agrícola, precisa proteger sua
agricultura. Os lavradores brasileiros, os nossos caboclos, os nossos caipiras,
não podem continuar sentido fome numa terra generosa e cheios de enfermidade
num dos países mais salubres do mundo. Certos de estarmos cumprindo nossos
deveres, como afirmamos no início deste memorial, fazendo um apelo aos
proeminentes membros da Assembléia Legislativa Nacional em favor daqueles que
nos elegeram, os agricultores, desejamos, também, contribuir para a maior
grandeza do nosso estremecido Brasil.Com os protestos do maior respeito,
subscrevemo-nos... aa) Americo Gumercindo Marino, Presidente; Luiz Augusto
Barrichello, 1º Secretário; Lydio Oriani, 2º Secretário; Nilo Cortelazzi,
Vice-Presidente; Jos´r Cibim, Vereador; Augusto Scaraçati, Vereador; Romeu
Vendramim, Vereador; Fancisco Civolani, Vereador.(12-6-48)
Tão grande e humilde admirador de Vitor Hugo,
não quis dar a nenhum dos meus queridos filhos o nome do imortal autor de “Os
Miseráveis” porque não sabia se, por admirá-lo tanto, teria ou não o direito de
tomar-lhe emprestado o nome, e também porque receava que essa minha confessa e,
algumas vezes, incompreendida veneração pudesse ser desaprovada por aquele que,
possuindo meu sangue e minha alma possuiria, entretanto, mais tarde, seu
pensamento inteiramente livre e autônomo para julgar as coisas do mundo, dentro
do divino mistério da natureza humana. ( 13-6-48)