ANO DE 1957

Suportamos as injustiças, as calúnias, as infâmias, quando vindas dos salões, das praças públicas e das sarjetas. Duro, doloroso, aniquilante, é ter que sofrer essas afrontas quando partindo daqueles que, nossos amigos, e, às vezes, nossos beneficiários, deveriam ser os primeiros a defender-nos. A isso se dá o nome de ingratidão. (26-1-57)

Perdoar é um dom do coração. Enobrece porque é uma demonstração de altruísmo. Esquecer é uma faculdade do cérebro. Deprime, porque é prova de insuficiência mental. (26-1-57)

A lembrança brota em nosso cérebro, como a luz penetra em nossos olhos. (26-1-57)

Oração. Bendito os que oram! E suplicam a Deus a sua proteção. Para si e para os seus! E para todos os que sofrem! Cem vezes bendito os que ao orarem, podem recordar-se de já haver favorecido aos necessitados. Com esmolas, com palavras, com exemplos. Estendendo a mão direita, benfazeja e defensora, por dever e como por acaso. E evitaram que a publicidade tivesse, inclusive, humilhado os que foram ofendidos. Mil vezes bendito os que hoje e agora oram a Deus trabalhando anonimamente a favor dos pobres e necessitados em qualquer parte do mundo. (16-2-57)

Recompensas - Quem rouba vai preso, seja porque furtou uma nota de cem cruzeiros ou porque se apossou de uma galinha alheia. Se descoberto é condenado. Pela justiça e pela opinião pública. Quem nega um auxílio a quem lhe solicita também é acusado pela consciência daquele que não foi atendido. Entretanto os que dão esmolas generosas ou mandam auxílios espontâneos aos necessitados, quase sempre ficam ignorados. Os primeiros, ladrões, pagam em vida seus crimes; os outros, os benfeitores, só depois de mortos tem seus gestos reconhecidos. ( 28-4-57)

Ditos que o povo inventa.
I) O empréstimo em dinheiro nós pagamos, o favor de nos emprestar, continuamos devendo.
II) A língua de muita gente é mais comprida do que enxergam nossos olhos.
III) Quem quer vai; quem não quer, manda. Quem está mal acomodado, se muda; quem não sabe, pergunta. Quem está cansado, se deita.
IV) Muita coisa acontece na vida, sob a "lei da oferta e da procura".
V) O difícil é cobiçado e vice-versa.
VI) O proibido é que é bom.
VII) Preso é uma fera; solto um cordeiro.
VIII) Por isso que a violência, invés de subjugar, subleva a mais pacata criatura.
IX) Vem a propósito a lamúria do poeta: Sei que sofres muito.../ E eu sofro também.../Mas, quem te despreza;/ Despreza quem te quer bem. (19-7-57 )

Neste caderno irei registrando minhas pobres reflexões, bem como transcrevendo as que, em tempos passados, escrevi em folhas avulsas, páginas de livros, etc., respeitando os erros então cometidos, sejam eles gramaticais ou de superados pontos de vista (2-9-57)
(Palavras escritas na abertura do segundo volume de anotações)

A fé - A fé é imanente em todas as criaturas que almejam ou receiam alguma coisa. Pode-se dizer que, via de regra, os maiores partidários da fé são os enfermos de espírito ou de corpo; ou anseiam conseguir um bem ou desejam livrar-se de um mal. Por isso a fé é dirigida ao mistério, ao insondável. Sempre que se puder resolver uma dificuldade com recursos materiais, é a fé apenas co-existente e até subestimada. Quando cessa a certeza da solução desejada aí surge a fé, ou seja a concentração da esperança a fim de sustentar o ânimo e evitar o desespero do indivíduo, Seja em face dos problemas desta vida, ou dos segredos do além túmulo. ( 18-8-57)

Feliz o que tendo por bússola a fé, se conduz no caminho de bondade e da virtude, sob a inspiração e proteção do timoneiro supremo: Deus! (28-8-57)

Até o lodo pode brilhar à noite, ao reflexo da lua. Porém, ao esplendor da aurora, à luz de verdade, voltará a provocar o que lhe é natural: repugnância. (10-11-57)

Ouro é sempre ouro! Pode ser coberto por toda a lama do mundo; se examinado a qualquer tempo provará que jamais deixou de ser ouro. Assim é a virtude: pode, como o sol, encobrir-se à passagem de uma nuvem ou durante uma noite. Mas depois ressurgirá com o mesmo brilho que lhe é natural, graças a Deus. (10-11-57)