ANO DE 1984

 

Diante de acontecimentos irremediáveis e imutáveis, por consumados, o melhor que se faz é dizer “paciência” e ir avante... Lamúrias e lamentações nada adiantam... O certo é prevenir-se e melhor programar as providências diante de caso semelhante e na ocasião, se necessário, deixar de lado, inclusive, as opiniões gratuitas de pessoas que, voluntária ou involuntariamente, contribuíram para o fracasso havido... ( 15-1-84)

 

É tudo uma luta... O escritor luta, luta noite adentro, isolando-se do borburinho mundano e escreve boas coisas... O pintor luta, luta isolando-se em clarabóias, em ateliers, em quartinhos de fundo de quintal e executa lindos quadros... O compositor luta, luta a maioria das vezes em recolhimento, buscando em horas mortas a inspiração e produz inolvidáveis peças musicais... O cientista luta, luta em pesquisas e experiências e conforta-se, ao final, constatando que seus esforços representam avanços para o bem da humanidade... O jornalista luta, luta principalmente quando a cidade começa a repousar para que, no dia seguinte, os leitores sejam informados sobre o que aconteceu nas cercanias e no mundo, sendo denunciados, paralelamente, os enganos, as mentiras, e promovida a defesa do bem, da verdade e da justiça... E assim, em centenas de outras atividades, as criaturas humanas procuram, no seu dia a dia, contribuir para que no grande mundo, homens, mulheres, crianças e idosos possam viver num sempre almejado mundo melhor. Mas, no fim ( todos teremos o nosso último momento na face da terra) se, um a um e todos nos deixarem, além dos generosos frutos  dos seus trabalhos e esforços, algo de bom em benefício também dos que não puderam ler os seus livros, admirar as suas pinturas, ouvir as suas músicas, desfrutar dos benefícios da ciência, ser alcançados pelas campanhas vitoriosas da imprensa, enfim usufruir um pouco das muitas coisas boas feitas, exibidas, promovidas por uma minoria de predestinados que, por suas missões, atribuições e funções se constituem numa espécie de elite da comunidade, então, repetimos, se estes não deixarem realizado algo em favor dos deserdados da sorte, que sempre existirão, pouco ou quase nada valeram os seus lindos trabalhos, os seus esforços, os seus suores, os seus sacrifícios, certo que, ao final, ficou esquecida a principal parte, a parte do amor ao próximo, traduzida na mensagem do Divino Mestre, quando recomendou” “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. E os ricos e os milionários, enfim os afortunados da indústria, do comércio, da agropecuária, do capitalismo, da oligarquia, do oportunismo e centenas de profissões autônomas e liberais que aqui não são mencionadas expressamente, em que ponto poderiam ser convocados a cumprirem seus de solidariedade humana? Mas não apenas com as migalhas que lhes caem de suas fartas mesas a que se refere o Evangelho de Cristo. Sinceramente ninguém sabe até onde, quando, como, quanto essa convocação poderia produzir seus resultados... Entretanto, uma coisa é certa: bastaria que a consciência de cada um, na fase crepuscular de sua vida, fosse tocada por uma voz do alto e sentisse como é importante até para os mais descrentes e ateus dos homens fecharem os olhos, na extrema hora,  sentindo  a convicção de que cumpriram, em vida, com os seus deveres  perante os seus  familiares, igualmente perante os seus amigos e conhecidos, inclusive seus semelhantes , criaturas anônimas, neste grande mundo de Deus. ( 16-1-84)

 

Folheando biografias de beneméritos e benfeitores de todos os tempos, salta aos olhos de qualquer pessoa que numerosas dessas extraordinárias criaturas, embora oriundas de famílias nobres, ricas, passaram grande parte e especialmente os últimos anos de suas vidas em situação de extrema humildade e pobreza, devotadas firmemente a causa de seus semelhantes carentes. Aqui merece um destaque veemente a figura de São Francisco de Assis, talvez o maior paradigma dessa excelsa categoria de benfeitores da humanidade. ( 8-1-84)

 

Por três vezes, no mínimo, Diógenes nos deu demonstração de sua descrença quanto aos homens do seu tempo, certo de que não lhes reconhecia, nem aos do povo nem aos do governo, qualquer respeitabilidade ou eficiência. 1ª) Quando saíra pelas ruas de Atenas, em pleno dia, conduzindo uma lanterna acesa, e perguntado o que significava aquilo, respondeu: “Procuro um homem honesto”. 2ª) Estando, de manhã, sentado ao sol, à porta de sua casa-tonel, veio visitá-lo o poderoso rei da Macedônia, Alexandre Magno, que colocando-se a sua frente, do alto do seu garboso corcel, lhe indagou; “O que podeis desejar de mim?Replicou o filósofo: “Que não me tireis o que não podes me dar: o meu sol”. 3ª) Em outra ocasião bradou alto e bom som: “Ei! Homens!”. Quando várias pessoas acorreram ao seu encontro, expulsou-as clamando:Chamei homens, não chamei vermes!”. Meditando sobre esses episódios, que aconteceram em lugares públicos, concluímos que vem de muitos séculos atrás o desconforto dos pensadores com relação aos homens do povo e dos governos. Verificamos que hoje muitos homens honestos ( “não vermes”) labutam  como que em trincheiras, na imprensa, no rádio, na televisão, em tribunas públicas ou reservadas, enfim através de palavras escritas ou faladas, por todos os meios, protestando contra as imoralidades, contra as injustiças, contra todos os egoísmos, e se cada um de nós, homens comuns, fizesse a sua parte, a partir do próprio lar, dignificando a família, com sólidos princípios de moral, de trabalho e de amor ao próximo, quem sabe se Diógenes redivivo poderia arrepender-se de suas idéias pessimistas quanto aos homens do povo e do governo ( 2-2-84)

 

Com mau humor, queixas, censuras, querelas, contestações, questiúnculas, contrariando assim lamentavelmente tudo aquilo que recomendou São Francisco de Assis em sua excelsa oração de defesa do amor, do perdão e do estoicismo, pouco e quase nada se construirá de bom a favor de um mundo melhor, que começa no ambiente familiar. ( 18-2-84)

 

Está chegando a hora e a vez da agropecuária do Brasil, como uma das poucas atividades capazes de remunerar generosamente aos que a ela se dedicam. Tudo o que é produzido na agricultura e na pecuária tem hoje preços elevados ( e por que não justos?!) em conseqüência do aumento de consumo interno e da política de exportação do governo, sem que a produção e a oferta cresçam paralelamente... (13-4-84)

 

O que se pode notar atualmente no Brasil é que o nível de vida dos trabalhadores, desde que ligados a firmas ou empresas, desde que técnica e economicamente bem organizadas, vem melhorando de fato. O imobilizado delas é quase o mesmo dos exercícios anteriores ( tempos de crise e apertos...) mas o seu faturamento atinge de ano a ano duas a três vezes mais, fruto da tecnologia mais aprimorada, a baixo custo. E as empresas produzindo mais, tem aumentada a sua lucratividade, podendo com isso melhorar a remuneração de seus operários. Às vezes, por falta de maior consumo, e para não cair o produto no aviltamento de preços no mercado ocorre a necessidade de diminuir a produção e também o quadro de seus servidores. O pior tem acontecido às firmas que não dispondo de capital de giro próprio, e agravam ainda mais a sua  situação, nas vendas à prazo, recorrendo aos descontos bancários de duplicatas, tornando-se insolventes em curto período de tempo, tendo, muitas delas, de encerrar suas atividades, lançando os seu servidores na dolorosa via do desemprego. Pena também que as usinas de açúcar da região de Piracicaba, que não possuem, no mínimo, 80% de cana própria, pagando altos juros nos financiamentos bancários, acabam operando com prejuízo contábil, visto que a matéria prima é paga praticamente à vista aos fornecedores, enquanto que o açúcar e o álcool são produzidos em cinco meses e vendidos em 12 ou mais meses ( ao início de cada safra existem estoques remanescentes...) e essa situação, ao final de pouco tempo, torna-se insustentável... ( 13-4-84)

 

Segundo a opinião da maioria ou quase totalidade dos homens, este mundo não tem mesmo salvação, no que concerne a paz entre os homens. Os mais pessimistas remontam os fatos desde a criação do mundo, quando a primeira família não foi feliz por causa do egoísmo, da inveja, da ganância, da violência e dos dois “primeiros irmãos” quando um foi abatido pelo outro. Milênios e milênios depois, o Divino Mestre, mesmo sendo o Messias tão esperado, foi traído por um dos seus dozes apóstolos e, em seguida, negado por três vezes pelo mais valoroso dos seus primeiros seguidores... Ainda, o seu próprio povo pediu e exigiu o seu martírio na cruz, logo a Ele que recomendava paz, justiça, amor entre os homens... A história do mundo está repleta de episódios, antes e depois de Cristo, em que é evidenciada a falta de entendimento entre  governos, governantes e governados e porque assim não dizer, entre os povos? “Cada povo tem o governo que merece” é o refrão popular e milenar... Pelo visto, pouco adianta ficar reclamando, apenas citando exemplos. A melhor solução é cada um, dentro da sua família, do seu campo de atividades, do seu relacionamento, colocando de lado as suas rotineiras pregações de moral, procurar cumprir com seus deveres conforme a lei de Deus, e a dos homens puros... e se cada um fizer bem a sua parte, um dia, os governos serão obrigados a fazer, igualmente bem o que lhes compete! ( 17-6-84)

 

De tantos livros que comprei, a maioria dos quais, confesso, não consegui ler por inteiro, mas, mesmo assim, foi-me dado copiar muita coisa boa, sábia e, de fato, admirável, e do quase nada de útil que eu escrevi, fruto de minha desprivilegiada inteligência ─ eu não passaria de um simples avarento se mantivesse, ao final, escondidas nestas singelas cadernetas, essas poesias, esses pensamentos, enfim, todos esses escritos, sem repassá-los, sem distribuí-los, sem espargi-los em benefício de minha gente e de meus semelhantes, como frutos maduros de uma pobre colheita que o Bom Deus permitiu fizesse eu. Porém, rogo-lhe devotamente não deixar que isso aconteça, bastando-me um pouco mais de tempo e saúde. (02-07-84)

 

Para os que acreditam na imortalidade da alma ( graças a Deus sou humildemente um desses bem-aventurados) a criatura humana, terrena, não morre, isto é, não desaparece enquanto permanecer na memória, no coração dos entes queridos, dos amigos, das pessoas enfim com as quais convivem. E essa lembrança envolve não apenas a fisionomia, os trajes, o perfil, o modo de andar, de gesticular, de falar, mas especialmente os feitos, as ações, tanto as boas como as más, realizadas em vida, com a vantagem de que a maioria dos seus conterrâneos costuma, cristãmente, relevar e quase esquecer, os defeitos daquele que se foi e até exaltar, às vezes, com alguma bondade, as suas poucas virtudes... ( 22-7-84)

 

O que é a felicidade? ─ “Um estado de alma”, já escrevi anteriormente. Mas para completar essa felicidade deve ser reconhecida e até propalada pela “voz do povo-voz de Deus” e igualmente estar envolvida, desde logo, por duas circunstâncias essenciais, no campo material: (a) Tranqüilidade quanto à própria saúde e a de todos os seus entes queridos; (b) Tranqüilidade quanto à alimentação, moradia, vestuário, transporte, no seu dia a dia, disponde de recursos suficientes para o seu pleno bem estar, sem precisar preocupar-se com os meios de pagamento para aquisição de quaisquer bens de que precise ou deseje de seu consumo ou uso cotidiano. Paralelamente, no campo espiritual, constatar que: (a) Nada sente pesar na sua consciência, de que deva arrepender-se, nem sofre a angústia de aspirar coisas impossíveis; (b) Sofrendo amarguras entende e aceita terem sido geradas por forças superiores  e inelutáveis e quando provocadas por pessoas amigas, é capaz de suportá-las, perdoando muitas e muitas vezes de acordo com a recomendação do Divino Mestre, em Mateus 18:21. ( 16-9-84)

 

“Nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Dentro desse princípio do sábio Lavoisier (1743-94), a criatura humana deve usar da sua inteligência, da sua imaginação, do seu espírito de trabalho e colaborar com a natureza, com os elementos de que dispõe ao alcance de suas mãos e aperfeiçoar, modificar, reaproveitar as coisas, os objetos, os materiais tidos como abandonados, quase perdidos, tornando-os apreciáveis, talvez melhores, procurando contribuir assim para a construção de decantado mundo melhor. Que adiantaria ao “pobre homem”, tendo desde crianças o hábito de tirar fotografias, e, agora na velhice, possuí-las em mais de mil, deixá-las desorganizadas, avulsas, ou esquecidas em dezenas de mini-álbuns, em fundos de gavetas?... Que lhe adiantaria, também, ter escrito milhares de pequenas idéias e ter copiado outros tantos sábios pensamentos e poesias de mais de uma centena de homens de letras e deixar tudo isso “perdido” em quatro pobres cadernetas, que as tem guardado ciosamente? Garanto que Lavoisier, do alto dos céus, ou do fundo se sua sepultura, lamentaria tamanha displicência... ( 29-9-84)

 

Ao avançar em anos, deveria o homem limitar, de certo modo, em tamanho e duração, o volume de seus trabalhos. Comparando, eu diria não ser aconselhável a um escritor, começar  duas obras e dentro de algum tempo tê-las redigido pela metade... Nesse momento, em papel e tinta, se executada apenas uma, esta estaria pronta...Por isso é que existem obras inacabadas... O mais certo seria, principalmente ao homem idoso, apenas rever o que tem preparado, a fim de melhor organizá-lo, deixando assim as suas coisas, como se costuma dizer, “em dia”! ( 14-10-84)

 

Os homens ao envelhecerem  e sentindo-se possuidores de alguns bens materiais, em suas meditações sobre aquilo que deixaram como herança aos seus entes queridos, deveriam incluir também algo em favor daqueles que mourejaram em seus lares, a maioria das vezes, por muitos anos, como se fossem membros de suas próprias famílias... (11-11-84)

 

Estando em dois, quando um duvida é ruim...Mas quando a dúvida é por parte de ambos, então, a situação pode tornar-se desesperadora... ( 18-11-84)

 

Para praticar uma boa ação basta um tempo, enquanto que a má ação exige dois ou mais tempos... A má ação começa pelo pecado de precisar ser engendrada em segredo... Portanto, uma traição, um golpe, um assalto e, até um furto vulgar necessita de algum plano, tempo, espera de oportunidade, etc. Na boa ação nada disso é necessário bastando apenas estar predisposto para a prática do bem e em cada passo da vida, em cada esquina do mundo, sempre haverá alguém, alguma coisa, necessitando de ajuda, de um gesto, de uma palavra amiga! ( 16-12-84

 

Felizes os que vivem muitos anos, os que vencendo a barreira do tempo, chegam à velhice sem desmedidas ambições pessoais e sem recordações de duros sofrimentos... Mas será que, dentro dos arcanos de Deus, essa felicidade não será um momento pleno de efêmeros e ledos enganos? ( 29-12-84)