ANO DE 1985

 

O governo de uma Nação, como de um Estado, de um Município, de uma sociedade comercial, de um clube social, deveria assemelhar-se ao governo de um família bem constituída, já com filhos adultos. Todos os membros imbuídos de responsabilidade e bastante sensatos. Este governo familiar teria, obviamente, em sua cúpula um chefe para exercer o comando, em harmonia com os demais dirigentes e assessores, no caso, a esposa e os filhos, todos com deveres e direitos, a fim de que constatassem sempre, a existência de uma situação de democracia. Mas... o que ocorre no Brasil de nossos dias, nada tem de semelhança com um governo familiar, honesto, aberto, democrático. A revolução se 1964 derrubou um governo semi-democrático e foi feita, quase que exclusivamente, para “combater a corrupção” que campeava nos altos escalões dos poderes então dominantes. Porém, passada meia dúzia de anos, o que se verificou foi que o país começou a mergulhar num mar de lama e corrupção mais vergonhoso do que existia até naquela época. E pior ainda é que sob a cobertura do AI ( Ato Institucional) nº 5, a classe militar e seus apaniguados passaram a governar a nação por meio de decretos, resoluções, portarias, as mais esdrúxulas e disparatadas, muitas delas em caráter “sigiloso, no interesse do governo”... E se contra isso tudo, a imprensa falada e escrita e o próprio povo protestavam, as suas ponderações e reclamos se perdiam no vazio do menosprezo, da incompetência, da cegueira e da inconfessabilidade. Graças a Deus, neste início de ano, todos os brasileiros respiraram a esperança de ver implementado, ainda que pelo voto indireto, um governo civil, austero, competente, capaz de por fim às roubalheiras praticadas, às escâncaras, mormente pelas Estatais, pelos bancos, pelos negocistas, pelos agiotas, que escorcham a pobre família brasileira, nestes vinte anos desgovernada e sacrificada... ( 6-1-85)

 

Muitos temos mal estar ( dor de cabeça, dores pelo corpo) porque ingerimos alimentos indigestos ou sofremos contusões externas, do mesmo modo que atos ou palavras de pessoas com as quais convivemos e estimamos, acabam por nos atingir, deixando-nos macambúzios, com cara de quem está realmente com a famigerada “dor de cabeça”... (9-2-85)

 

Tem pessoas que gostam de comparar a própria situação financeira com a de alguns de seus semelhantes, destacando particularmente os que consideram mais prósperos...No fundo, tais comparações evidenciam uma ponta de inveja, de despeito... Infelizmente, tais comparações, acabam aparentando uma crítica ou condenação dos seus familiares, que acabam por ser responsabilizados pela má colocação em que se posicionam, sem nenhuma razão, os queixosos...(10-3-85)

 

Poderão, alguns dos que lerem as ponderações contidas nestas quatro pobres cadernetas, afirmar que são idéias inconseqüentes, apenas bem intencionadas... Seja! Mas ainda assim, é preferível a nada pensar, nada dizer, nada fazer. Se é “tempo perdido”, que o seja com propósitos otimistas!... “Desde que o mundo é mundo, existe dor, existe fome, existe guerra, existe o mal”, dirão e “assim será sempre!” Não! Não! Não! Pois se isso fosse verdade, verdade cruel e irremediável, melhor seria então destruir tudo o que foi feito de bom pelo homem, pondo abaixo todas as doutrinas de moral, de virtude, de bondade, de justiça. “Nada de artes, nada de ciência, nada de música, nada de poesia, nada de beleza, nada de ternura com as crianças, nada de respeito com os velhos! Morte para os famintos e infelizes! Rua para os enfermos! Para a infância, o desamparo e para a juventude, a corrupção!” Deus bondoso, perdoai tanta falta de caridade! Não! Mil vezes, não! Benditos os visionários que crêem e  lutam por um mundo melhor. (30-4-85)

 

A Pátria é o Estado, o Município, a família e o próprio indivíduo. Portanto, a pátria será grande, dentro e fora de suas fronteiras, somente quando todas as criaturas humanas forem atendidas em seus direitos, postos a sua disposição no ambiente doméstico em que vivem, isto é, nos seus municípios, onde a produção nacional é, em verdade, realizada. É preciso acabar, com urgência,  com o erro de subtrair, de desviar recursos das pequenas cidades para aplicá-los, em sua maior parte, nas capitais, nos grandes centros, que assim ficam cada vez mais “enfeitados”, enquanto que as menores, com suas extensas áreas rurais vão sossobrando no desamparo e no desestímulo. O certo seria os grandes centros industriais não esgotassem, eles próprios, todo o seu poderio econômico e deixassem parte para a abertura e conservação de estradas, formação de novas lavouras, incentivos para a pecuária, a favor, principalmente das regiões norte e nordeste deste imenso Brasil. Havendo produção abundante e transporte organizado e seguro, acontecerá o sonhado barateamento do custo de vida nacional, isto é, redução da inflação. ( 12-5-85)

 

Quando os filhos são crianças, cumpre aos pais assisti-los e mantê-los em tudo de que necessitam não apenas em alimentação e vestuário,mas igualmente nas demais despesas condignas a qualquer criatura humana. Depois, os pais ao envelhecerem vão sentindo que a situação tende a inverter-se: então são os filhos adultos que devem dispensar-lhes atenções, certo que os “velhos” precisam voltar a ser considerados, ainda que sutil e delicadamente, merecedores de ajuda e tolerância de quando eram, eles próprios, crianças. ( 16-6-85)

 

Olhando pelas janelas do mundo o panorama das cidades, observando do alto dos edifícios a “selva de pedra” que vem brotando do solo, analisando pelas rodovias e ruas asfaltadas modernos veículos transportando pessoas e mercadorias, é que constatamos, a todo momento, a enorme injustiça social, que clama aos céus, e que perdura no nosso querido Brasil... Aqui, elevada percentagem de pobres criaturas vegetam em favelas, cortiços, muitas perambulando ao léu, macilentas e em desalinho, até porque suas pobres famílias sofrem falta de alimento e, inclusive, de água pura!... (21-7-85)

 

Não se compreende que grandes homens, como Santos Dumont, Van Gogh, Stefan Sweig, Ernest Hemingway e outros tenham posto término às suas vidas gloriosas. Esses homens ─ inventores, artistas, escritores, enfim homens cujas obras vinham e ainda estão dignificando a vida, promovendo a elevação da criatura humana para a proximidade da perfeição ─ deveriam gozar a sua velhice, rodeados pelas homenagens dos seus conterrâneos, ou, pelo menos, pelo calor da presença dos seus familiares e de seus verdadeiros amigos. (18-8-85)

 

Já escrevi anteriormente que Proudhon muito exagerou quando afirmou: “A propriedade é um roubo”, uma vez que a grande maioria dos homens, principalmente os de bom senso, entende que os bens materiais, frutos do trabalho honesto, de qualquer natureza, ou ainda recebidos por herança, constituem, pelo contrário, direito legítimo de uso e posse, por parte de seus detentores, representando até incentivo para preservá-los e ampliá-los. Roubo seria desviar coisa do verdadeiro dono. Portanto, segundo Proudhon, se o que o proprietário tem foi roubado, entendo que as vítimas do roubo só podem ser os que não trabalharam, não herdaram, faltaram-lhe ou deixaram as oportunidades e, agora, nada possuem... Complicado, não?! Mas, na verdade, roubo é a sonegação, em qualquer parte do mundo, dos impostos devidos e, muito maior ainda, roubo vergonhoso ( criminoso e lamentavelmente no Brasil, e em outras republiquetas, impunes) é o peculato, a corrupção ativa e passiva, o suborno, o desfalque, as negociatas, as sinecuras, as “mordomias” e um sem número de descaminhos de coisas e valores pertencentes à nação, ao povo, não havendo dúvida de que uma centésima parte disso tudo valeria muito, se aplicada, criteriosamente, em socorro da pobreza desvalida. Roubo clamoroso é isso, por falta de consciência, por falta de amor ao próximo, por falta de respeito ao Bom Deus! (15-9-85)

 

É sobremodo entristecedor entidades assistenciais precisarem  promover campanhas, as mais diversas, para conseguirem recursos para se manterem... Enquanto isso o governo, que aprovou minguadas subvenções e verbas, retarda a sua liberação e executa, por outro lado, obras as mais suntuosas que em nada favorecem as classes mais carentes. Só quando as entidades assistenciais passarem a ser mantidas com os tributos pagos pelos proprietários, pelos negociantes, pelos industriais e por todos que exercerem atividades lucrativas, é que os graves problemas dos pobres estarão resolvidos. ( 22-9-85)

 

Agora que, graças o Bom Deus, atravessei a barreira dos 72 anos de idade, procurarei poupar-me da leitura de diversas revistas semanais e, diariamente de mais de um jornal de Piracicaba e de São Paulo, Capital, certo que, afinal, reconheço que isso agora pouco ou nada acrescentaria aos meus conhecimentos, escassos, mas indispensáveis a qualquer criatura. As notícias momentosas, todos os jornais as publicam e outros resumos e detalhes os obtenho através das transmissões feitas pelo rádio e pela televisão locais. O mesmo direi quanto ao cinema, cujo entretenimento sempre me agradou, mas que pouco proveito representa para mim, nesta fase de minha vida. Portanto, o melhor a fazer, é tentar ensinar ou deixar escrito lições de vida, citando exemplos, rasgos de otimismo, de trabalho, de nobreza e do que muitos benefícios podem advir para aqueles que, mais novos, tem pela frente numa vida inteira, e assim podem ser ajudados pelos que pretenderam, antes, acertar em suas atuações no grande palco da vida. (12-10-85)

 

Se os egoístas, os vaidosos, os maledicentes, os intrigantes, os mentirosos, os intolerantes, os desmancha-prazeres, os ociosos, os desonestos, os velhacos, os traidores, os falsos, se, enfim, todos os que trilharam a tortuosa senda do mal e do erro e que, apesar de todas as suas artimanhas morreram, ingloriamente, a seu tempo e hora ─ pudessem retornar a uma nova vida, comprovando então quantos prejuízos tiveram e causaram, semeando e colhendo infelicidades, por certo agiriam agora de modo bem diferente! ( 17-11-85)

 

Fala-se muito que “o brasileiro perde o patriotismo quando em frente a um guichê arrecadador de impostos”, mas... o imposto como um compromisso, é uma dívida a ser paga em benefício do próprio povo. Assim deve ser resgatada como a conta do empório, a farmácia, aluguel ou prestação da habitação e de outras dezenas de pequenas responsabilidades que, não cumpridas, desmerecem o cidadão. Os operários prestam seus serviços e recebem seus salários. O governo presta-nos assistência com escolas, estradas, segurança comunitária e pessoal, hospitais e um sem número de serviços de utilidade pública, tudo visando o bem estar social e precisa receber e quem possui, produz ou lucra alguma coisa, para poder manter esses encargos. Em criança era muito escandaloso ser “posto fora do circo”, por haver “entrado por baixo do pano”, isto é, sem pagar! Portanto, é preciso que a grande maioria do povo dê a sua contribuição financeira ao governo, para que este retribua, por quaisquer formas, alguma coisa em favor de cada um. O povo que paga seus tributos e usa seus votos para escolher os seus representantes para zelar pelo bem comum, punir os faltosos, sendo certo que estes, anos após anos, deverão ser reduzidos a um mínimo admissível em qualquer nação civilizada. E para os fraudadores recalcitrantes, sejam eles marginais ou figurões de “colarinho branco”, a solução é expô-los, publicamente, ao vexame da denúncia, do processo, da condenação, da prisão, e porque, nesse afã não usar a surrado slogan doa a quem doer”!? ( 15-12-85)

 

Cicatrizes d’alma são lembranças das amarguras sofridas com acontecimentos dolorosos, dos quais a gente jamais se esquece. ( 19-12-85)