ROTARY INTERNATIONAL
DISTRITO 4310

III CONFERÊNCIA DISTRITAL

VOLUNTARIADO, SOLIDARIEDADE E CIDADANIA


Prof. Dr. Almir Souza Maia, Reitor da UNIMEP


            Iniciamos com nossa saudação ao Ilustríssimo Luiz E.G. Barrichelo, Governador do Distrito 4310 do Rotary Internacional. Ao Ilustríssimo Senhor José Roque Mauro, Diretor de Protocolo. Ao Ilustríssimo Professor Francisco Souza Pacheco, Coordenador dos Trabalhos. Às demais autoridades, participantes e companheiros desta Conferência.
            Agradecemos a oportunidade que nos foi dada de estarmos participando dessa III Conferência do Rotary Internacional. Nosso agradecimento é pessoal e também em nome da Universidade Metodista de Piracicaba, que temos o privilégio de representar.
            O tema geral proposto para esta Conferência Distrital, “Torne o seu sonho uma realidade”, e o desta palestra, “Voluntariado e Cidadania: construindo um mundo melhor”, se relacionam ao quadro em que se encontra a sociedade de nosso tempo.  Isto porque participamos de um mundo em constantes transformações e de enormes desafios a todos nós, que de uma forma ou de outra, dele participamos.
            Destacamos algumas características da realidade atual, que estão contribuindo para uma sociedade cada vez mais competitiva, intranqüila, individualista e sem perspectivas em termos de valorização da vida e da construção de um mundo melhor e de uma sociedade justa e solidária.
            Observa-se a prevalência de uma espírito de competição desenfreada, onde as forças do mercado prevalecem sobre os valores da própria vida humana. Convive-se com a globalização, o fantástico mundo da comunicação e da informática e com a explosão de novos conhecimentos científicos e tecnológicos. No entanto, todas as maravilhas da modernidade não têm conseguido dar conta da redução da pobreza, da miséria e da violência em nossa sociedade. Essas manifestações caracterizam uma sociedade patologicamente compartida.
            Toda essa conjuntura adversa e seus grandes desafios nos conclamam, como cidadãos e cidadãs, à ação redobrada no sentido de sermos agentes da solidariedade, na perspectiva de um mundo melhor.
            Feita esta breve introdução, vamos ao tema proposto: “Voluntariado e Cidadania, construindo um mundo melhor”.
Voluntariado, solidariedade e cidadania, como as três coisas se encaixam? O voluntário é o cidadão que, motivado pelos valores de participação e solidariedade, doa seu tempo, trabalho e talento, de maneira espontânea e não remunerada, para causas de interesse social e comunitário, segundo a definição do Programa Voluntários do Conselho da Comunidade Solidária.
            É preciso enxergar-se a cidadania sob uma dupla perspectiva, vertical e horizontal. Na sua verticalidade, a cidadania reflete a relação entre indivíduo e Estado, ou seja, o exercício de direitos fundamentais, como os direitos civis (segurança e locomoção), direitos sociais (trabalho, salário justo, saúde, educação, habitação, etc.) e direitos políticos (liberdade de expressão, de voto, de participação em partidos políticos e sindicatos, etc.), bem como o cumprimento de deveres, como o pagamento de impostos, o respeito às leis e à ordem estatuída. Entretanto, essa perspectiva vertical não esgota o conceito de cidadania, pois existe sua imprescindível dimensão horizontal, definida pela relação do indivíduo com os demais indivíduos, ou seja, o respeito aos direitos e deveres dos demais e a prática solidária para com o próximo. Cidadania e solidariedade são duas categorias estratégicas de construção de uma sociedade melhor em torno das quais há freqüentemente consenso. Essas categorias se constituem a base de nossa identidade nacional tão desejada e ainda tão longínqua, em função do arraigado individualismo, tanto das nossas elites, quanto das fortes corporações emergentes. A competição inerente a economia de mercado e a globalização têm contribuído para ampliar o individualismo em nossa sociedade.
            Há esperanças? Sim e são muitos os indícios de que o país se move na direção certa. Existem hoje no Brasil cerca de 14 mil entidades filantrópicas e 16% dos brasileiros, segundo recente pesquisa do Ibope, destinam parte do seu tempo livre a trabalhos em hospitais, asilos e instituições. Dessas, 29% atuaram em igrejas, 18% atuaram em instituições ou associações, 18% em movimentos ou campanhas, 9% em centros espíritas, 8% em associações de bairro, 5% em escolas e colégios e outros 5% em creches e orfanatos. A mesma pesquisa detectou a preferência das pessoas pela área de atuação, caso fossem fazer algum tipo de trabalho voluntário: 47% escolheriam a área da saúde, 27% escolheriam educação, 21% optariam por atividades relacionadas ao esporte e ao lazer, o setor social seria escolhido por 18%, meio ambiente por 17% e cultura por 11%. Um dado muito promissor: apenas 1% declarou não ter interesse pelo trabalho voluntário.
            Ainda é pouco? Sim, principalmente se tomarmos como comparação os países desenvolvidos. Nos Estados Unidos, 74% dos jovens entre 14 e 21 anos já realizaram algum tipo de trabalho voluntário, enquanto que no Brasil este percentual é de apenas 7%. Na realidade, ainda não temos no Brasil uma cultura sedimentada do voluntariado, como ocorre em outros países, sobretudo nos Estados Unidos.
            Outro fator importante que merece ser destacado é a aprovação da Lei do Voluntariado - Lei n.º 9.608, de 18 de fevereiro de 1998. Na prática, o serviço voluntário não deveria ser regulamentado, já que se trata da liberdade natural dos cidadãos em exercer seus direitos de consciência e iniciativa. No entanto, em alguns casos isolados, pessoas que prestaram serviços voluntários entraram posteriormente na justiça trabalhista contra as instituições que ajudaram, reivindicando compensações financeiras. Esse fato, durante muito tempo, atuou como inibidor do recrutamento de voluntários por parte dessas instituições. A Lei do Voluntariado regulamentou a celebração de termo de adesão entre a entidade e o prestador do serviço, de forma a não gerar qualquer tipo de vínculo ou obrigação trabalhista e previdenciária.
            Outro enfoque do voluntariado é o poder de desenvolvimento que reside nas mãos das comunidades locais, que pode ser melhor traduzido naquilo que as comunidades são capazes de fazer por si mesmas, buscando a solução de seus problemas específicos. O problema central, nesta ótica, é o da recuperação do controle, por parte do cidadão, no seu bairro, na sua comunidade, sobre as formas do seu desenvolvimento. Muitas vezes, ocorre um grande desperdício de recursos e energia por falta de um catalisador voluntário. Devidamente liderada e organizada, a comunidade local tem poder de influir e alterar positivamente sua realidade. Essa argumentação é muito bem defendida pelo Prof. Ladislau Dowbor, em sua obra “O poder local”.
            Como começar? Atualmente, temos um poderoso instrumento, a Internet. São milhares e milhares de sites de instituições que realizam trabalho voluntário e precisam de ajuda. Por exemplo, no site mantido pela Kanitz & Associados, www.voluntários.com.br, são 2000 entidades do Brasil, que podem ser pesquisadas por nome, bairro, área de atuação e por tipo de atividade. Outra possibilidade é o voluntariado virtual, coordenado pelo Conselho da Comunidade Solidária, que propicia que as pessoas colaborem, dentro de suas competências, sem estarem presentes fisicamente. O Programa Voluntários desse Conselho, já citado, busca contribuir para a promoção, valorização e qualificação do trabalho voluntário no Brasil. Colocou, como desafio, o desenvolver condições para a implantação de uma cultura moderna do voluntariado, preocupada, principalmente com a eficiência dos serviços e a qualificação dos voluntários e das instituições.
              Temos  tido a oportunidade de observar vários indícios de que a cultura do voluntariado não é um modismo e está se instalando de forma mais definitiva na sociedade brasileira. As igrejas, ao longo do tempo, de uma maneira geral são espaços onde se cultiva a experiência do voluntariado a partir da experiência da fé. As Organizações Não Governamentais - ONG’s proliferam-se, atraindo membros em todo o mundo para as mais diversas causas, operando, fundamentalmente, com trabalho voluntário. Os clubes de serviços, por sua vez, são espaços históricos de ação cidadã e solidária de pessoas como vocês, voluntários e voluntárias.
            Nos últimos anos, passou-se a utilizar o termo genérico “Terceiro Setor” para qualificar todas essas organizações que atuam no atendimento direto de necessidades sociais da população. Após várias rodadas de interlocução política, o Conselho da Comunidade Solidária apresentou projeto de lei para se constituir no Marco Legal do Terceiro Setor, com o objetivo de facilitar a atuação dessas entidades e dar-lhes um maior amparo legal.
              As escolas, as universidades, por sua vez, também tem uma tradição de voluntariado, própria de sua cultura. Recentemente, dois programas inovadores do Comunidade Solidária, com o apoio do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras, envolveram jovens de universidades de todo o país. O Universidade Solidária, organiza delegações de estudantes universitários, voluntários, que sob a coordenação de professores, viajam para municípios com elevado grau de carência, e desenvolvem trabalhos visando a melhoria das condições de saúde, educação e organização daquelas comunidades. No programa Alfabetização Solidária, estudantes e professores da Universidade, também voluntários, capacitam pessoas das comunidades carentes para serem alfabetizadores em suas regiões de origem.
              Para exemplificar outras iniciativas, queremos apenas citar algumas  atividades desenvolvidas na Universidade Metodista de Piracicaba. Todos os semestres, um grupo de estudantes da Faculdade de Odontologia viaja mais de mil quilômetros, para atender à comunidades indígenas. No “Campus” Taquaral, alunos de Educação Física desenvolvem atividades para a comunidade do bairro CECAP, vizinho à Universidade. Através de uma parceria com o Habitat para a Universidade, acadêmicos participam da construção de casas populares. A Pastoral do IEP organiza grupos interdisciplinares para dar assistência em assentamentos do Movimento dos Sem Terra. São, portanto, inúmeras atividades, baseadas todas na contribuição voluntária dos estudantes.
            A participação direta dos cidadãos em atividades sociais e comunitárias contribui, e muito, para o enfrentamento da exclusão social e para a consolidação de uma cidadania participativa. Exatamente por isso temos diante de nós o desafio de assegurar maior visibilidade, qualidade e continuidade às muitas iniciativas que utilizam o trabalho voluntário já em curso e às que venham a ser iniciadas daqui para a frente.
            Concluindo, fazemos uma referência ao Evangelho. Cristo, falando aos fariseus - doutores da lei de outrora, sintetizou os dois mandamentos essenciais do cristianismo: Amar a Deus, acima de todas as coisas, e amar ao próximo como a si mesmo. Solidariedade e o desejo voluntário de ajudar ao semelhante estão, portanto, na essência do cristianismo. Acreditamos, convictos, que o mundo seria muito diferente, se esses princípios fossem seguidos por todos. Muito obrigado.