IV ENCONTRO DOS FILHOS,NETOS, BISNETOS
E TRINETOS DO VOVÔ ERNESTO E VOVÓ NINA

Rio das Pedras, 18 de novembro de 2006

Abertura
Luiz Ernesto  (Neto)

COMO TUDO COMEÇOU...

De início, nossas boas-vindas a todos em nome daqueles ( e daquelas) que tornaram uma realidade este ENCONTRO COMOMERATIVO DO CENTENÁRIO DE CASAMENTO DE NOSSOS AVÓS ERNESTO E NINA, ou seja, todos nós.

(Iremos começar com uma  breve apresentação de “Como Tudo Começou”. Por se tratar de uma longa e maravilhosa história vamos recordar o “começo do começo”. O que se segue está baseado nos depoimentos de nossos tios e que se encontram na seção “Registros Histórios” do site da Família Barrichello na internet. Outra parte está baseada na tradição oral transmitida e a última parte, nos sonhos e devaneios de quem vos fala.)
 

 Pe. Antônio D. Lorenzatto, no seu livro “ Os Vênetos – Nossos antepassados” ( Ed. Est, 1999) analisando as causas da emigração dos Vênetos para o Brasil, separa-as em dois grupos: causas internas ou nacionais e causas externas.

 Entre as causas internas destaca o modelo reinante no século XIX ( de 1800 a 1870) que lembrava um sistema feudal no qual a exploração dos proprietários de terras e latifundiários sobre os operários e lavradores atingia níveis indescritíveis e insuportáveis. Nessa sequência de maus tratos, trabalho escravo e mortes, grassava a miséria, epidemias e fome. Relata o autor: “ Diante dessa total falta de comida, liberdade, felicidade, comodidade, conforto e sem vislumbrar um futuro melhor — e como a esperança é a última coisa que morre no homem — os miseráveis italianos julgavam que a solução era emigrar. Pouco se lhes dava abandonar uma pátria madrasta que os fazia sofrer e morrer. Diziam: “ Mortos por mortos, vamos tentar uma saída”. Para quem se achava nas trevas, nas sombras da morte, no inferno, qualquer melhora ou esperança do melhor seduzia. É vantagem deixar o tártaro para ingressar no limbo ou no purgatório. Em face dessas horrendas dificuldades, reacendeu-se, reviveu o gênio, o espírito, o ideal dos velhos Vênetos: foram assaltados pela coragem, pelo pioneirismo, pelo caráter desbravador, pela disposição de vencer sempre pela bravura, pelo trabalho. Como seus ancestrais, decidiram emigrar, enfrentar o desconhecido e vencer pela luta! Sem combate não há vitória!”

 As causas externas vieram de encontro com as referidas causas internas: nessa mesma época, os Estados Unidos, a Argentina e o Brasil necessitavam urgentemente de mão de obra para atender seu crescimento. Em especial, no Brasil, os trabalhadores eram necessários para substituir os escravos pois em 1850 foi proibida a importação de negros da África, em 1871 foi aprovada a Lei do Ventre Livre e, finalmente,  a 13 de maio de 1888 foi editada a Lei Áurea. Devido a isso, representantes do Brasil foram enviados à Itália, em especial para a região do Vêneto, para aliciar ( no bom e mau sentido) agricultores e operários. Lamentavelmente, na maioria das vezes, as promessas eram mirabolantes e enganosas...porém, por incrível que possa parecer, convincentes para aquele sofrido povo italiano. Apesar de alertados por autoridades civis e religiosas, um enorme contingente decidiu-se arriscar-se na esperança ( talvez ilusão)  de “Fazer a América”. Relata o autor citado: “ A emigração impediu uma convulsão e explosão social de conseqüências imprevisíveis. Ela foi uma necessidade, a única saída para sobreviver. Não foi um gesto de fuga, um ato de covardia, pois somente os corajosos, cuja maioria eram Vênetos, se decidiram pela emigração”.

 Dentro desse cenário, o casal Giuseppe Barichello-Orsola Rissotto residia em Riese (o nome Riese Pio X foi adotado em 1952 em homenagem ao Papa Pio X, nascido naquela cidade), província de Treviso e região de Vêneto. Possuíam um pequeno bar/lanchonete (“hostaria”). Casaram-se em 2 de fevereiro de 1875 e tiveram cinco filhos: Giacomo, Girolamo ( nascido em 28 de março de 1878), Luigi, Giovanni e Anunciatta. Por sua vez, Giuseppe tinha três irmãos: Giovanni, Santo e Felício. O primeiro a emigrar foi Giovanni, por volta de 1883 vindo diretamente para Rio das Pedras e lá se estabelecendo. Posteriormente, mudou-se para São Paulo e é o “capo”da família do Rubinho Barichello.

 Em 1885, dentro daquela perspectiva de “mudar de vida” e incentivado pelo irmão Giovanni, Giuseppe decide emigrar com destino a Rio das Pedras trazendo consigo seus dois filhos mais velhos, Giacomo e Girolamo. A idéia básica era, após estabelecer-se e criar condições financeiras, retornar à Itália para buscar o restante da família. Chegando a São Paulo, Giuseppe foi surpreendido com a notícia da inexistência de vagas para imigrantes trabalharem. Daí tiveram que ir para Minas Gerais para trabalharem como colonos. Foi lá que os meninos aprenderam a ler e escrever com seu pai. Trabalhavam em casa em serviços domésticos, cozinhavam, faziam horta e levavam a refeição para a roça. Aprenderam tudo com seu pai que lutava para sobreviver longe da esposa. Passado algum tempo ( talvez, dois anos) , finalmente chegaram a Rio das Pedras  e foram morar na fazenda do Capitão Vicente Melchior do Amaral Mello ( hoje, Fazenda São João) onde trabalharam como colonos nas lavouras de café.

Aqui continuaram trabalhando até Giuseppe conseguir algum dinheiro, voltar para a Itália e buscar seus filhos menores, sua esposa Orsola ( Úrsula ou Ursulina)  e sua sogra (Orsola, Maria Ursula, “Noneta”), que haviam ficado lá com os filhos menores. Regressando à Itália, foi trabalhando no navio para a passagem ficar mais barata e acabou tendo um acidente com um ferimento grave na perna que gangrenou. Ele morreu no navio e teve que ser sepultado no mar, porque naquele tempo as viagens demoravam meses. Quando o navio chegou à Itália, a família estava esperando no porto de Gênova. O comandante do navio chamou a esposa, comunicou a morte de Giuseppe e entregou a ela os seus pertences, inclusive o dinheiro, com o qual puderam viajar para o Brasil e reencontrar os filhos Giacomo ( Jacó) e  Girolamo (Jerônimo).

A certidão de batismo de Jerônimo registra seu nome como “Girolamo Nisto Barichello”, que com o passar do tempo mudou a grafia para “Jerônimo Ernesto Barrichello”.

Gostaria de passar a palavra para tia Ruth que registrou no seu depoimento aos nossos “Registros Históricos”

"Agora um acontecimento interessante que papai nos constava: como ele já sabia ler e escrever regularmente, dava aulas na Fazenda do Vicente para algumas crianças. Naquela época era muito difícil freqüentar a escola, porque havia poucas nas cidades. Tinha diversos alunos e entre eles uma menina muito bonita de 9 anos, muito esperta e de olhos azuis. Imaginem que, ele apesar de ser 10 anos mais velho, apaixonou-se por ela e com o passar do tempo tornou-se sua esposa. Essa aluna era Nina, nossa querida mãe, avó e bisavó. Casaram-se e continuaram morando na Fazenda do Vicente, pois os pais de nossa mãe também eram colonos de Vicente Merchor. Essa fazenda era conhecida como Fazenda de Vicente Amaral Mello. Papai contava que ele e o Tio Jacob eram os professores, davam aula em qualquer cômodo da casa, pois iam aprendendo entre si, e todos os alunos demonstravam grande interesse.

"Outro fato interessante mamãe nos contava que, logo que casou-se, ela e o papai continuaram morando na Fazenda do Vicente. O papai trabalhava na roça e a mamãe fazia o serviço da casa dos patrões como doméstica. Quando ficou grávida do José, nosso irmão, continuou trabalhando e ele nasceu prematuro, tão pequeno que cabia numa caixa de sapatos revestida de algodão para que ficasse aquecido e sobrevivesse. Foi criado com carinho e amor vivendo conosco até mais de 80 anos. Com o passar dos tempos, papai e mamãe começaram a comercializar por conta própria, diziam eles, vendendo bananas. Foram vitoriosos criando e encaminhando 11 filhos".

A benção Vô Ernesto... a bênção Vó Nina...
 
 

MENSAGEM DA TIA RUTH

De minhas coisas de criança, ainda guardo na lembrança recordações de nosso lar. No fim da tarde ou do dia, quando tudo se aquietava, a família nossa se juntava para conversar e se alimentar. Meus pais não tinham escola, o aprendizxado era fraquinho e tinham pouco dinheiro. Trbalhavam o dia todo e o ano inteiro sem parar e, também, nos punham para ajudar. Muitas vezes nos faltava alguma coisa, mas a gente nem ligava, pois o importante não nos faltava: o sorriso, o olhar, a energia e o amor deles.

Quantas vezes a gente via mamãe e o papai cansados no fim do dia,mas aquilo era segredo, nem era manifestado. Quando o sol se punha, aos poucos íamos deitar dizendo, a bênção´papai, a benção mamãe.

O tempo correu, os anos foram se passando, mas o que hoje ainda vejo é a maravilha de se ter uma família.

A mamãe era muito enérgica, mas o papai e ela se entendiam muito bem, pois ela só com seu olhar resolvia, e o papai, mais calmo, dava a ela muita força e energia. Vocês sabiam que quando o papai era mais mocinho e a mamãe mais novinha foi por ele alfabetizada ( como já disse o Luiz Ernesto), pois ele já era mais letrado, e foi com ele que ela aprendeu o be-a-bá. E no correr de anos e anos, o tempo foi passando e na juventude se amaram e se casaram.

A vida toda foram cuidando dos 11  filhos e hoje aqui estamos nos unindo para comemorar os 100 anos de casamento com todos os nossos familiares. Devemos estar vaidosos e felizes por sermos seus descendentes. E com muita humildade e alegria agradecemos a Deus por essa reunião e por fazermos parte dessa família, por termos tido um pai e uma mãe que nos deu muito amor e muitos bons exemplos.

Agora, vamos rezar um Pai Nosso em agradecimento por estarmos aqui reunidos e por intenção deles.
 
 

PRIMEIRO CENTENÁRIO
( Zé do Joca)

17 de novembro de 1906!
Data de um tempo distante que se completa hoje, fechando o primeiro centenário de um casamento de peninsulares que não imaginavam, nem de leve, o que hoje aqui presenviamos.

Vieram para a América na tentativa de descobri-la, baseados na idéia de que Colombo não o fizer por completo. Aqui descobriram o amor.

Fizeram a viagem num transporte se comodidade, falho em recursos, por um espaço de tempo sem limites. Chegaram só Deus sabe como!

O casal se conheceu, sentiu a atração natural dos enamorados e, com certeza, sonhou como todos os jovens quando se amam. Assumiu a responsabilidade do casamento dentro de uma seriedade que a época exigia. Um casamento para a eternidade das vidas que ambos viveram.

Ao pé da letra, e com todas as letras, uma união sólida que enfrentou tristezas e alegrias, saúde e doenças, fartura e dificuldades. Um casamento duradouro que comemora hoje sua primeira centena de anos.

Nós todos aqui presentes comemoramos, com esta festa, um casamento ao qual nenhum de nós assistiu ou testemunhou pessoalmente. Isso seria impossível porque somos frutos diretos ou indiretos desse enlace que é histórico.

O casal foi fazendeiro, comerciante e teve onze filhos em Rio das Pedras. Um de seus filhos foi nosso prefeito. Fez parte, com destaque, da sociedade riopedrense.

Por isso tudo o casal foi o construtor responsável e, justamente merecedor, do título de familia tradicional de nossa terra.

Alguns filhos do casal, presentes à festa, são as testemunhas vivas que podem passar historicamente às gerações mais novas as dificuldades, os problemaas, as dores, as alegrias, as grandes reuniões e as festas que viveram, rindo e chorando, com muita saudade de uma época rica e feliz. Co toda a certeza sonhou-se um sonho que todas as famílias desejam sonhar.

Naturalmente o casal, santa semente da família, não está presente. Já faz parte de outro estágio da vida e não pode receber os nossos cumprimentos; mas, onde quer que se encontre, nós sabemos e setimos, feliz, sorrindo orgulhosamente, o velho casal de mãos dadas e olhos marejados de gordas lágrimas. Eles nos abraçam e nos cumpriemntam, sentindo que a missão foi muito bem cumprida.
 
 

BARRICHELLO S/A
( Zé do Joca)

I
Dona Nina e seu Ernesto, casal de antanho.
Ela dizia ver nele um Tarzan.
Bela família, enorme, sem tamanho,
Ele navegou pelos oceanos, mas se enamorou pelo Mar de Gam.

II
Casou-se muito bem,
Mulher elegante e bela.
José sempre dizia, alegre como ninguém:
Se mel é bom, imagine Mela.

III
Comadre Leonor e filhos sem fim.
Muitas lutas, derrotas e vitórias.
Vida difícil, gloriosa, um jardim,
Jacintho que escreveram grande história.

IV
Mariquinha, esposa lutadora, ímpar
Ele artista da música, ar de nobreza.
Em seu nome possuia, como lenda real,
Vale e rio, partes da natureza.

V
Augusto defensor dos dotes da familia,
Ja mil e  uma vezes declarou com satisfação:
Da vida nada se leva
Mas dinheiro que venha de montão.

VI
Professor, prefeito e vereador,
Leonilda pode dizer sem crítica,
Para ela e para a sogra foi um amor,
Um Olívio, quando ele deixou a política.

VII
Craque na chuva ou no sol.
Comerciante, alfaiate, corretor.
Luizinho artista no futebol,
Esposa Inesquecível e de muito amor.

VIII
Melim não faltava nem por obrigação.
Presente sempre em qualquer evento,
Pois festa boa e toda comemoração,
Deve ter Ata todo o tempo.

IX
Quando garoto, foi sábio e esperto.
Traquinagem de espantar espantalho.
Hoje,ao lado de Leonor, comemora boquiaberto,
Filhos Kidão pouco trabalho.

X
Professor, diretor, supervisor,
Tinha por lema: "Trabalhe e lute".
Alcindo alfabetizava com maestria e calor
Rato, Reta, Rita, Rota, Ruth.

XI
Foi chegando, chegou como delegado.
Logo que a viu se encantou.
Raphael Dirce para si, emocionado:
No Campos aqui, grande amor brotou.

XII
Chegou a Rio das Pedras jovem funconário.
Hoje em Mogi Mirim bela vidinha.
Rimoli, homem inteligente e de muita sorte
Sabe que há sempre, no fim do túnel uma Luizinha.
 

RELATO DE VISITA A RIESE PIO X
( Marilia Barrichello Naigeborin)

Já faz pouco mais de 3 meses que eu e meu marido Fernando iniciamos a maior aventura de nossas vidas: uma viagem de volta ao mundo. Volta ao mundo interior e exterior. Momento de muito aprendizado, reflexão, novas descobertas e busca pelo verdadeiro sentido das coisas. Sabemos que depois dessa viagem nunca mais seremos os mesmos. Já passamos pela Holanda, Bélgica, Inglaterra, Turquia, Tunisia e no ultimo mês, estivemos na Itália. Foi lá que a volta ao mundo virou “ volta às raizes” e vivemos um momento muito especial da viagem.

Foi com muito orgulho que no dia 9 de novembro conhecemos a cidade natal de Jeronimo Ernesto Barrichello, Riese Pio X e tivemos o primeiro encontro familiar da viagem. Fernando, meu marido, foi um grande incentivador dessa visita. Há cerca de 4 anos também estivemos nas fronteiras de Ucrânia e Polônia, buscando resgatar impresões, sensações e histórias na pequena cidade natal de seu avô paterno chamada Lutsk. Luciana e Fernando Barrichelo, que já haviam estado em Riese e fizeram uma matéria para o site da familia também nos ajudaram com os contatos dos familiares, telefones e endereços.

Mas voltando a visita a Riese, o primeiro contato foi feito via telefone quando estávamos em Veneza, cidade próxima que fica a uns 50 km de Riese. Como nossa estada na Italia já era de aproximadamente 25 dias pudemos treinar um pouco o italiano e retomar algum conhecimento de um curso rápido feito em São Paulo anos atrás. Liguei então para Angelo Barichello já com o script em italiano bem detalhado. Apresentei-me, contei da viagem pela Itália, da visita anterior de Fernando e Luciana e do prazer que seria poder encontrar com ele e a sua familia. A resposta foi breve e direta: “Come no?”

Ficamos muito felizes com o retorno positivo e com o encontro que foi marcado para dali a 2 dias. Aproveitamos para comprar uma lembrancinha para a familia e descobrir a melhor forma de chegar na cidadezinha. Ai descobrimos que Riese é tão pequena que sequer consta na relação oficial de trens e ônibus. O melhor que tínhamos a fazer era tomar um trem para Castelfranco, cidade maior e um pouco mais turística e depois tomar um ônibus. Para facilitar a troca de informacões sobre a família tambem imprimos a matéria do site sobre Riese e já antecipamos prováveis perguntas e assuntos interessantes  para nossa conversa.

No dia 9 de novembro acordamos ansiosos, demos um grande e saudoso “ciao” para a belíssima piazza San Marco e perto das 11:00h rumamos para a estação ferroviária de Veneza. A viagem para Castelfranco foi curta, mais ou menos 45 minutos. Chegando lá, tinhamos pouco mais de 1 hora até o próximo ônibus para Riese sair. Aproveitamos para dar uma volta pela cidade que tem um fortaleza muito antiga e uma igreja famosa por ter um quadro de um artista chamado Giorgione, comparado a Leonardo da Vinci. Também tivemos tempo para almoçar e nos deliciar com tagliatelli com frutos do mar e spaghetti com radicchio e pancetta. No fundo, a música era da Pantera Cor de Rosa em ritmo de jazz, aquela meio de detetive. Achamos sugestivo e demos aquela boa risada.

O ônibus para Riese saiu na hora marcada e lotado. Além de nós dois, os únicos estrangeiros, havia um monte de estudantes barulhentos que a essas horas estavam voltando para suas casas nos pequenos vilarejos ao redor de Castelfranco, que possivelmente não tem escolas grandes. Depois de 10 km de uma paisagem serena, com muito verde, algumas indústrias, estrada estreita, chegamos. Esse momento do trajeto foi a primeira vez que nos lembramos de Rio das Pedras, ou mais precisamente, do caminho para a Chácara. Era cerca de 1 hora da tarde quando descemos do ônibus. Nesse horário é bastante típico na Itália e, mais ainda nas cidades pequenas, que todo o comércio, bancos, lojas, fechem para o almoco e a sesta. Em Riese até o banco estava fechado. Assim, aproveitamos para fazer um primeiro reconhecimento, andar pelas poucas ruas, tirar fotos e colher impressões e assim ganhar tempo para chegar na casa do Angelo. Passamos pela igreja, pela escola, pelo albergue, pela floricultura, pela venda, pela casa em que nasceu o papa Pio X, que acabou por renomear Riese com o seu complemento. Notavelmente este papa é uma das grandes exceções da história da igreja, pois diferentemente da grande maioria, ele vem de uma família muito pobre. Quando criança, todo dia andava 10 km para ir até a escola, em Castelfranco.

Durante o passeio, a sensação era de estar em solo conhecido. As casas, sua arquitetura e côres, os jardins com árvores frutíferas e brinquedos de madeira ou metal pintados, a tranquilidade e quietude, aquele ar de cidade pequena onde todos se conhecem nos remeteram novamente a Rio das Pedras e à Chacara. Antes de chegar na casa do Angelo já nos sentíamos em casa.

Precisamente às 14:30h batemos na porta da barbearia do Angelo, que dá entrada para sua casa. Uma senhora nos recebeu e novamente eu me apresentei em italiano, já confiante. Ela tambem se apresentou e confirmou minhas suspeitas: era Emília, mulher do Angelo. Ainda um pouco receosa, ela nos convidou para entrar em sua casa e aí chamou o marido. Angelo, muito simpatico e já todo prosa, nos cumprimentou e imediatamente nos convidou para sentar. Emilia nos ofereceu café, panetone (que nesta região não é servido apenas no Natal) e aí o papo deslanchou, o pouco de resistência foi quebrado e em 10 minutos a sensação era mesmo de estar na casa de alguém da famlia, no cafeé de uma tarde de domingo.

Também conhecemos o filho do casal, Cesare, que hoje em dia toca a barbearia e que é muito interessado na genealogia da família. Ele nos presenteou com um documento que, segundo ele, é a única cópia registrada de um estudo que fez sobre a árvore de sua família junto a documentos encontrados na igreja. O problema para ir além, segundo ele, é que as pesquisas são caras e demandam muito tempo. Quando contamos do site da família Barrichello, ele ficou muito surpreso e imediatamente anotou o enderço para visitar.

Conversamos um pouco sobre a cidade e suas impressões  e descobrimos que tudo é questão de referência. Eles acham que Riese está ficando grande demais, que a imigracao de africanos e de pessoas do leste europeu está trazendo violência e que a industrialização e a construção de estradas estão piorando a cidade. Também nos contaram sobre os inúmeros Barrichellos da Franca, do Canadá, dos Estados Unidos e do Brasil que já passaram por lá. Fernando brincou que eles estavam virando o consulado oficial dos Barrichellos em Riese. Eles riram muito e Emilia brincou: “Barrichello é que nem fungo, todo lugar que você vai, você acha um”. Nessa hora, o Fernando, inspirado, emendou: “então esse fungo deve ter DOCG (“denominação de origem controlada e garantida”) como os bons vinhos da Itália”. Mais risos...

Aí contamos, um pouco, para eles, sobre nossa vida em São Paulo e nossa família, e eles ficaram bem abismados com o tamanho da cidade, com nossa rotina de trabalho e com o tamanho da família Barrichello no Brasil. Quando mencionamos sobre o encontro do centenario apareceu uma grande coincidência: na semana passada eles também organizaram uma festa reunindo todos os Barichellos de Riese e região do Veneto, fato inédito para eles.

Angelo, super simpático e solícito, telefonou para outros parentes e Carla, sua sobrinha apareceu. Carla trabalha como enfermeira e é extremamente falante, dinâmica e alegre. Já visitou o Brasil a convite de Luigi Barichello que mora em Garibaldi, que há mais ou menos 20 anos mantém contato com essa família e que recentemente construiu uma casa nas cercanias de Florenca.
Já era fim de tarde quando Carla nos convidou para ir até a sua casa e também conhecer seus pais: Piero que é irmão de Angelo e sua mulher Teresa. Nos moldes bem italianos --- beijos pra cá, abraços pra lá, beijos de novo, fotos --- nos despedimos de Angelo,  Emilia e Cesare e seguimos com Carla para sua casa.

Novamente fomos recebidos de braços e sorrisos abertos. Piero, pai de Carla, nos ofereceu um vinho bastante típico da região, feito pela propria família, de uma uva centenária, que infelizmente está entrando em extinção. Piero, diferente de Angelo e Emilia, fala somente o dialeto do Veneto --- que é um pouco diferente, mas possivel de ser entendido --- e não o italiano. Fernando ficou todo orgulhoso, pois Piero mostrou-se super abismado com o seu italiano. Ele nos contou um pouco de sua história e da sua familia, dos 10 anos que morou no Canadá trabalhando como motorista de caminhão para fazer seu pé de meia e comprar uma pequena propriedade em Riese, onde continua plantando uvas. Quando ele nos falou sobre suas lembranças da guerra, o sofrimento dos que foram e ficaram, o sorriso típico e bonachão deu lugar para uma ponta de tristeza: “Porca miseria questa maledetta guerra” . Mas aí, uma nova rodada de vinho da casa com direito a gotas na mesa e um sonoro “Viva” de Teresa.

Comentamos com Piero que achamos que ele foi feito com a mesma forma dos Barrichellos de Rio das Pedras. Ele riu e aceitou posar para uma foto “solo” para nosso registro. Já passava das 19h quando achamos que era hora de partir. Carla, super atenciosa, nos ajudou a encontrar uma pousada em Castelfranco e nos levou de carro até lá. Pegamos seu e-mail e prometemos dar noticias de nossa volta ao mundo e de um dia nos encontrar no Brasil. Chegamos no hotel, nos acomodamos e sentimos necessidade de compartilhar com a familia esse dia tão especial: ligamos para meu pai e depois para o tio Neto.

Nos dias que se seguiram, continuamos muito tocados e comovidos com o encontro em Riese. Mais que tudo, pelo fato de sairmos em busca de chão, de história, de origem, mas, na verdade, termos encontrado muito mais do que isso. Encontramos uma historia de ousadia e coragem, uma fonte de inspiração para todos nós.

Hoje, a globalização mudou muito a dinâmica do ir e vir: vemos ate em nossa famiíia casais internacionais como a Vivi e o Jonas, Simone e Denis, gente morando fora, como a Beatriz e o Guilherme, mas há mais de 100 anos, quando Girolamo deixou Riese, a situação era completamente outra.

Era romper para construir. Romper para viver no novo mundo, empreender, construir trabalho, família, terra e lugar. Assim, tudo o que somos, prosperamos, conquistamos, remonta a pequena Riese que cresceu com outra velocidade, mudou pouco, enquanto nossa família sofreu uma grande metamorfose. Rio das Pedras virou a Riese de Girolamo e a partir daí uma nova historia de dedicação, trabalho e prosperidade começou a ser escrita. Como Piero nos contou, na época em que Girolamo deixou Riese, todos eram “contadini” (lavradores) e foi assim que Girolamo começou e nos deu bases sólidas para crescer, evoluir e viver uma vida melhor.

Que essa história centenária nos sirva de inspiração para os problemas e momentos difíceis, sirva de motivo de orgulho quando olharmos para nossas orígens e sirva de ponto de partida e referência quando nos sentirmos perdidos frente às grandes mudancas e desafios do mundo moderno. Que, assim como Girolamo Barichello, continuemos cultivando a vontade de sermos melhores sem nunca esquecer dos valores primordiais da humildade, da união, da fé. Valores que fazem esse encontro de hoje possível e fazem de nós, Barrichellos de Rio das Pedras, Piracicaba, Sao Paulo, Brasil, Riese Pio X, uma grande família.
 
 

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