"Boadrasta"

Maio de 2012
Mês das Mães

Cheiro de tempero sobre o fogo do fogão. Bule com café sobre a chapa. Café quente o tempo todo e coado ali mesmo. Na geladeira, água gelada, doces de abóbora, mamão, figo e, alguns meses mais tarde, também o de aracatiá.

Cortinas em todas as janelas enfeitando a sala, toalhas sobre as mesas e vasos com algumas flores. Cheiro de cera num assoalho brilhando.

As xícaras e os pratos que viviam fechados nos armários, há muito tempo sem uso, dançando pela casa toda esparramando sabores perfumados o dia todo.

Colchas coloridas sobre as camas, tapetes nos quartos.

Tudo era novidade.

Uma nova vida. Sons e cores que antes não ouvíamos e nem víamos.
Mesa do café da manhã com pão, manteiga, leite e café, tudo à mão, muito próximo. Almoço servido sobre toalhas brancas e alvas. Comida feita em casa e servida em nossas travessas, sob o olhar de uma dupla que só via isso tudo em outros lares, de amigos ou parentes.

Chegando a noite, dormíamos na esperança de que tudo aquilo não fosse um sonho.

Que sonho, que nada! Tudo se repetia e se repetiu por alguns anos.

Roupa lavada e passada em nossa própria casa. Nada de levar trouxas de roupa suja para lavar. Varais brancos e coloridos com o nosso vestuário.

Em poucos dias percebi quanta coisa perdi, porque em nossa casa tudo era regido e governado por mãos exclusivamente masculinas. Tudo muito rápido. Tudo muito prático. Nada de detalhes.
Com duas vassouradas varria-se um cômodo.

A vida passou a nos mostrar outros encantos. O que antes era uma família de apenas dois membros, pai e filho, silenciosa, acanhada, passou a receber o toque feminino que é o alicerce que sustenta com toques de magia um lar.

Como todas as famílias, tínhamos também alguns desencontros, alguns dissabores, mas nada que tivesse força para desmontar um esquema familiar agradável e feliz.

Outros membros vieram se agrupar e a família cresceu. Duas irmãs. Criaturas que deram a meu pai a maior alegria de viver.

Foram nove anos, apenas nove anos. Foi o tempo necessário para que a segunda esposa de meu pai, Dona Dirce, ao invés de ser chamada de madrasta, passasse a ser sentida pelos enteados como “boadrasta”.

Que Deus a tenha e a ilumine sempre.

N. A. : O termo “boadrasta”, ouvi num programa de TV.

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