“Cadê ?”

I
Nasce e morre, nasce e morre,
Ninguém liga, ninguém se importa
Poucos se lembram, nem imaginam.
Perdeu sua chama, cadê a Rua Torta ?

II
Tudo mudou, se transformou, sumiu.
Não há alegria nem ilusão.
Os de hoje não conheceram, nem viram.
Ruiu rápido, cadê a máquina de algodão ?

III
Pequeno, quase desapercebido,
Alguns metros quadrados, uma sensação.
Morreu, perdeu sua majestade.
Cadê o Largo da Estação ?

IV
Trens antigos, de madeira, barulhentos,
Lentos, sacolejantes, para cada classe um vagão.
Seus apitos sumiram, se calaram.
Meu Deus ! Cadê a Estação ?

V
Ruas de terra, nomes importantes.
Sumiram alguns logradouros.
Quem conheceu já está velho.
Cadê a Rua do Matadouro ?

VI
Rua de Baixo, Rua de Cima.
Caninha, açúcar batido, Usina Bom Jesus.
Raia, Rua das Cabras, “campão”.
Cadê as festas de Santa Cruz ?

VII
Jardim de Cima, oficina do Civolani.
Bom Retiro, doce de aracatiá.
Que loucura, que barbaridade !
Cadê a água santa do Cambará ?

VIII
Doce de laranja, puxa-puxa, goiabada.
Mário Soldado, Padre Cecílio, filhas de Maria.
Trens de carga, carroça  d’ água, Cacique da Ituana.
Cadê o Tancão da Companhia ?

IX
Barraquinhas das festas religiosas.
Nhá Aurora do pinhão e da pipoca.
Oficina do Cortelazzi, farmácia do “seo” Zico.
Cadê a barbearia do Joca ?

X
Lio, bar do Assalim, loja do Consolmagno.
Judas, pau-de-sebo, Otávio Guidolim.
Campinho, pocinha, poção.
Cadê o Tanque do Bom Jardim ?

XI
Armazém do Marino, Nenê Fiscal, água do Civolani.
Tudo acabou, chegou ao fim com certeza.
Não há mais história, só imaginação.
Cadê a Santa Maria e a Fortaleza ?

XII
Armazém do Scarassatti, loja do Zé Gomes.
Alfaiates, lavadeiras, barbearia do Zelão.
Quando chovia era uma catástrofe.
Cadê o Morro do Sabão ?

XIII
Água da biquinha, rapaduras do Elisbão.
Esquina do Jacintho, manteiga do  Banco.
Tudo evaporou, sumiu, hoje só na lembrança.
Cadê tudo que sumiu num tranco ?

XIV
Não existe mais o Carregueta.
Mudou de curso o Tijuco Preto.
Tristonho, pensativo, incrédulo, pergunto:
Gente ! Cadê o coreto ?

XV
Doces da Zefa, Zé Bueno e seus bois.
Romeu dos bonecos, fogos do padroeiro.
Apito de trem, as casarinas.
Cadê os troles ? Cadê os frangueiros ?

XVI
Cadê a estrada velha para Piracicaba ?
Cadê a banda e seus sustenidos ?
Cadê o Paulo Pascon e a passarinhada ?
Cadê as padarias do Horácio e do Guido ?

XVII
O Hotel do Monteiro virou farmácia.
Transformaram toda a loja do Chalita.
Cine Ipiranga ,  fordinho do Nicolino.
O tempo engoliu tudo, com o bar do Mesquita.

XVIII
Juventus, Primavera, Faísca de Ouro.
Engenhos e olarias, fábrica de móveis do Rosamiglia.
Centro Telefônico e relógio da Matriz.
Cadê a Rio das Pedras que era uma única família ? 

XIX
Saudades de tudo, dos bois no laço,
Do grande Dito Boi e do Zico “Domadô”.
Celaria do Bertim, Maestro Pompeu.
Cadê tudo isso? Tudo acabou.

XX
Cadê aquele pessoal antigo e familiar ?
Cadê os construtores de tudo que sumiu?
Será que foi um sonho alegre e irreal ?
Cadê a felicidade de uma época ? Fugiu ?

10 de julho de 2004
110 º aniversário da emancipação
política de Rio das Pedras


N. A  : Os nomes de famílias e de pessoas que aparecem nos versos são uma homenagem e o agradecimento por terem sido riopedrenses que criaram uma época incomparável, recheada de alegria, trabalho, dificuldades e fé. Orgulhosamente, são os criadores de uma saudade sem fim, fonte de possíveis lágrimas silenciosamente derramadas, que teimam em nos dizer que a felicidade, num tempo mágico, já fez pouso em nossa terrinha. 

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