Nada estava a seu gosto, tudo dependia de alguma alteração ou de um toque final seu. Mesmo quando participava da confecção de qualquer coisa, jogava para os demais as possíveis falhas. Dizia que não conseguia produzir, ou criar, tendo companheiros. Os demais atraíam a imperfeição. Sendo doce, estava doce demais ou de menos. Se salgado, idem. Suas roupas só atendiam as suas exigências depois que passassem por várias vezes pelas mãos de alguns alfaiates. Isso, quando não era o tecido o que lhe desagradava. Era exigente ao máximo com tudo, com todos e consigo mesmo. Escrevia somente à máquina para manter a uniformidade das letras. O cabelo, irrepreensivelmente aparado e penteado. Seu barbeiro até suava quando o atendia. Cada tesourada era acompanhada com todo o cuidado pelo nosso perfeccionista. Com referência a horários, não fazia condescendência nenhuma. Diziam até que possuía as feições de um relógio suíço autêntico. Nunca se atrasava e, se isso acontecesse, encontrava rapidamente o culpado ou a causa , isentando-se constante e irritantemente de qualquer culpa ou erro. Era um crítico por excelência. Tudo que passasse pelos tubos de ensaio de suas análises jamais teria um atestado de qualidade ideal ou completo, sempre haveria uma observação negativa ou um parecer contrário. As cores somente mereciam sua atenção, e conseqüente aprovação, caso fossem aquelas que apreciava; o terno tinha que combinar com a camisa, esta com a gravata, tudo sem destoar dos sapatos O azul do céu, límpido e aberto, claro e de tonalidade única, nunca era tão bonito, pois fazia calor demais ou de menos. Seus amigos, poucos, tinham uma paciência incomensurável ou logo se afastavam; nenhum deles possuía as qualidades de um verdadeiro amigo. Uns porque fumavam, outros porque falavam alto ou baixo demais, ou ainda porque não se vestiam conforme os seus padrões. As mulheres nem sequer amizade queriam com aquele tipo. Namoro, nem pensar. Tinham medo de suas críticas e das piadas e gozações do resto da população. Caso contrário, deveriam mudar completamente seus hábitos e costumes e fingirem-se de surdas; seria um martírio sem fim e sem propósito. Pelo crivo de suas críticas passavam casamentos, enterros, casais, namoros, etc, etc, e em tudo via algo errado, ultrapassado, antigo, sem cabimento. Julgava-se um juiz ponderadíssimo e imparcial, sem perceber que era um chato perfeito visto de qualquer ângulo. Com a idade suas críticas tornaram-se mais ferinas e contundentes, suas exigências aumentaram e seu gênio, intragável, piorou. A velhice trouxe consigo alguns problemas físicos que azedaram ainda mais seu comportamento. Mesmo doente, criticava o médico, as enfermeiras, o hospital, a comida, o barulho, o silêncio, exigindo cada vez mais a perfeição em tudo o que lhe dissesse respeito. Como nem tudo é perfeito, morreu. - Está perfeitamente morto ! – disse o médico. - Está perfeitamente encomendado ! – disse o padre. - Está perfeitamente enterrado ! – disse o coveiro. |