“Diabo de Frio !“
Naquele horário a
estação estava completamente lotada, muitas pessoas se comprimiam
na plataforma, enquanto, outras e outras iam adquirindo passagens e
descendo as escadas da velha e querida Estação
da Luz.
Dezessete horas e quarenta
e cinco minutos, hora de grande movimento de trabalhadores que se dirigiam
para suas casas, fazendo a viagem de volta, contrariando os movimentos
da madrugada que já ia longe.
Para quem não
tivesse pressa, coisa até exótica, a estação
seria um laboratório de análises onde poderiam ser observados
os tipos humanos mais diferentes: velhos ligeiros; senhores mal educados,
famílias, namorados, grávidas, nortistas, nordestinos, ternos
e gravatas, etc, etc. Todos agasalhados. O frio do começo de julho
na cidade de São Paulo mostrava toda a sua força e com uma
determinação vista poucas vezes.
O frio era tão
intenso que as poucas pessoas que se comunicavam não conseguiam
falar em outra coisa. Os próprios jornais noticiavam algumas mortes,
na noite passada, provocadas pela baixíssima temperatura. Durante
o dia as pessoas disputavam algumas fatias de sol que vez ou outra surgiam
por entre os prédios cinzas da cidade.
Mesmo dentro do trem,
após luta feroz para se conseguir entrar, num aperto
indescritível, o frio não perdia
para ninguém. A paisagem que para todos era sempre a
mesma, que não chamava a atenção,
nunca, neste dia estava mais triste, soturna e
desumana.
Os passageiros que
sempre reclamavam silenciosamente dos fumantes, torcendo os narizes, ou
trocando olhares enjoados, hoje não agiam assim, na esperança
de que as brasas dos cigarros transmitissem não só prejuízos
para a saúde, mas também algum calor, produto escasso.
Por obra do acaso,
coincidência que até hoje não consigo entender, invejado
por uma multidão de olhares cansados, consegui um lugar num banco
e me sentei.
A vantagem de estar
sentado era a seguinte: as costas e as laterais estavam bem protegidas
do frio.
Ao meu lado ia um
homem sério, quieto, pensativo, de braços cruzados tão
fortemente que davam a impressão de que ele procurava dar um abraço
apertado em si mesmo.
Seus pés não
paravam, esfregava um no outro. De vez em quando inspirava fundo e expirava
profundamente, até assobiava. Lábios roxos, pálido,
magro, olhar fixo, pensamento distante. Durante uns quinze ou vinte minutos
de viagem ele não disse nada e nem fez menção de que
esperava que me comunicasse com ele. Era a mesma viagem de sempre, só
que hoje mais fria.
Pouco antes de uma
das estações o senhor ao meu lado se mexeu fazendo movimentos
indicativos de que ia se levantar para o desembarque. Antes virou-se para
mim e disse:
“Meu amigo, sou nordestino, cheguei do Ceará,
Fortaleza, faz quinze dias, não conheço ninguém aqui,
a cidade e a região me são estranhas, tudo é diferente,
vida esquisita, parece tudo estrangeiro mas deu para tirar uma conclusão
que eu juro para o senhor que é verdadeira e ninguém vai
contestar. De volta ao Nordeste vou passá-la aos meus conterrâneos
que, com toda certeza, vão duvidar. Só terão a confirmação
quando vierem para São Paulo: O inferno é gelado!”
N. do A.: conto de pura ficção
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