"Adoçura"

   Família numerosa, onze filhos e uma infinidade de netos. Cada casal com cinco, seis e até mais filhos. Somente a caçula  ainda  era solteira, tinha 22 anos  e estava noiva. O  casamento 
foi uma festa maravilhosa,   uma  multidão de convidados.  O casal de velhos  fez  questão de
comemorar com alegria e fartura o casamento da última filha, a raspa de tacho. A previsão de mais netos animava e e alegrava aquela família querida e estimada por todos, pelos valores de trabalho, humanismo e religiosidade.
     Já alguns anos ficavam para trás, alguns netos pensavam em casamento e a caçula, Matilde, não tinha filho algum.  As irmãs  e cunhadas  estavam  admiradas por sua infertilidade, sabido
quão fecunda era a família.  Diziam-lhe  para  ter paciência  e  esperar.  Quem  sabe  um  bom tratamento médico poderia resolver ?
     Feito o tratamento esperou-se um tempo, mas a gravidez tão desejada não veio. Sem filhos, aquele casal era muito triste.
     A   solução  foi  encontrada:  adotou-se  um  recém-nascido,  um menino,  e  se  resolveu o problema.  Adoção legal,  relação familiar ótima,  tudo era feito para aquela criança. Tudo foi 
pensado.  A alegria  era a tônica.  Ninguém  queria que chegasse  até o garoto a informação de que era adotado. 
     Na escola primária surgiram os primeiros contatos que poderiam desvendar aquele segredo, mas graças   às  professoras  e às mães  de todas  as  outras  crianças,   tudo continuou como a família desejava.  Tudo  era escondido,  camuflado,  corrigido,  embolado;  o  importante  era  ele  não saber.
     No ginásio,  no colégio,  sempre a   mesma coisa.  Nas rodas de amigos, idem.  O medo de passar a verdade ao rapaz  chegava a causar situações embaraçosas e  até  cômicas,  mas o que
importava era ele não saber.
     Quando ele completou dezoito anos   realizou-se   uma festa monumental, tanto pelo desejo dos avós, como dos pais, tios e primos. A casa toda lotada de convidados, parentes e amigos.
     Alguns familiares achavam que o moço já estava pronto para saber de sua situação; os  pais
e os avós ficaram numa   aflição sem tamanho,  o  medo de  sua  reação era muito grande. Para acalmar a todos,  a mãe  decidiu  que a  notícia seria  dada  quando ele completasse vinte e um anos.
     O tempo  é  implacável  e  os  vinte e  um  anos  chegaram  mais   rapidamente  do  que  se esperava.  A cobrança  pelo  prometido  era feita constantemente.  A ansiedade da mãe era tão grande que pensaram até em contratar um analista.
     O dia  do   aniversário  e de mais uma  grande  festa estava   próximo  e  a  angústia da mãe  só aumentava.  Faria parar o tempo  se fosse  possível.   Tornou-se  pálida e  triste. O marido a acompanhava naquela amargura e também apresentava algumas preocupações. 
    O aniversário chegou e de manhã, logo bem cedo, tudo encomendado e pronto  para a festa.
O filho bateu à porta e entrou no quarto dos pais.
     _ Tenho  algo  para  perguntar a  vocês  que já sei de longa data, mas esperei o dia de hoje para tocar no assunto. 
     Os pais gelaram, a mãe ficou com o olhar parado e, certa da cobrança, que agora vinha por intermédio do próprio filho, ficou petrificada.
     _ Sabem vocês que eu sou adotado e que tenho os pais mais maravilhosos do mundo ?

15 de maio de 2008
Dia das Mães
N. A. : O conto é pura ficção

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