Ele e ela
Namoravam há
seis anos. Cada um já sabia com antecedência as preferências
e os gostos do outro. Com o olhar eles se entendiam; era amor para dar
e vender. Os dois estavam fazendo cursinho para o vestibular: ele, economia
e ela, medicina.
Ele, de família
simples e pobre; ela, com bons recursos, o pai comerciante bem sucedido,
e a mãe, dona de uma loja de cosméticos famosa na cidade.
O namoro nunca foi
bem aceito pelos familiares da moça, desejavam para ela um casamento
com alguém de posses e prestígio. Ela fazia pé firme
e enfrentava a todos. O seu amor pelo namorado era real e consciente, era
maior que ela própria. Nada a demovia do desejo de um casamento
com o namorado, o seu primeiro namorado, primeiro e único.
Os familiares do
moço, principalmente os pais, diziam que gostariam de quem ele gostasse.
Aprovavam o namoro e nunca iriam contrariar os gostos de um filho que só
dava alegrias à família. Ele adorava a namorada, somente
tinha pensamento para ela e, mesmo sabendo que não era bem aceito
pelos futuros sogros, levava tudo em frente, certo de que um dia eles seriam
infalivelmente um do outro.
Tudo caminhava como
sempre até que uma fazenda, a maior do município, foi vendida
para uma família de fazendeiros de uma localidade distante.
O filho mais velho,
solteiro, ficou encarregado de administrá-la. Era mais baixo que
alto, mais gordo que magro, calvície prematura, algum estudo, razoavelmente
simpático e rico, muito rico.
Chegou ao estabelecimento
do pai da moça para obter informações e comprar algumas
coisas para a nova propriedade. Convidado para almoçar, aceitou.
Foi apresentado à família, logicamente agradou. Conheceu
a moça, gostou. E como gostou.
Tias, primas, avós,
toda a família se transformou num verdadeiro exército que
lutou, com todas as armas, para jogar a moça nos braços do
forasteiro milionário. Ele insistia demais: bilhetes amorosos, discos,
flores, etc...
Ela desistiu do namorado
antigo em favor do fazendeiro alegando maior capacidade financeira, maior
segurança, prestígio e daí por diante. O novo namoro
durou seis meses. Foi o pior semestre da vida do ex-namorado. Deixou o
cursinho e passou a viver desligado de tudo. Sempre triste, humilhado e
incapaz de arrumar outro amor. Junto com ele sofreu toda a família.
Foi procurado pela
antiga namorada, interessada em reatar o namoro, na casa de uma amiga comum,
numa tarde de domingo. Ambos falaram, ambos se explicaram mas ele, contrariando
seu maior desejo, esclareceu que não havia mais chance para um namoro
entre os dois, retirando-se para chorar sozinho em um dos quartos de sua
casa. Ela, sozinha na casa da amiga, chorou copiosamente ali mesmo.
Ele faleceu aos 42 anos,
solteiro, vítima de um enfarte. Ela, com 74 anos, vive até
hoje solteira, numa casa herdada de seus pais. Daí somente sai para
visitar doentes ou acompanhar enterros aproveitando, nessas oportunidades,
para dar uma olhada, mesmo de longe, para o túmulo dele.
N. A . : conto de pura ficção
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