"O copo do Garapa"
Era um bairro
de uma cidade onde muita gente se conhecia. Havia amizades de longa data
e muitos casamentos entre as famílias do lugar. Como todo bairro
que se preza, era uma cidadezinha com vida própria.
Ruas típicas,
botecos com cadeiras cativas, farmácia da esquina, padaria do sobrado,
vendedores seculares de bilhetes lotéricos, soldados amigos e muito,
muito mais características e curiosidades. Quando se encontravam
na cidade, no centro, mesmo sem saber os nomes, eles se cumprimentavam,
pois todos tinham a “fisionomia” do bairro.
Lá havia tipos
característicos, piadas, apelidos, que os próprios moradores
criavam e mais tarde se transformavam em lendas que passavam dos mais velhos
aos mais novos, sempre com pinceladas apimentadas, sem fugir da origem.
Um dos tipos mais
conhecidos do bairro era o Garapa, famoso por ser o maior beberrão
do lugar; dos seus presumíveis quarenta e cinco anos de idade, dizia
que já bebera por mais de trinta. Era pintor de paredes. Trabalhador,
mas todas as noites ia bêbado para o seu quarto.
Tinha boa índole,
era amigo de todos. No campo de futebol local era figura marcante, pela
presença de espírito e pelas grandes bebedeiras. Frequentava
a igreja e era amigo pessoal do padre; já haviá pintado aquele
prédio duas vezes sem cobrar. Ganhava remédios na farmácia,
pão nas padarias e, em muitos domingos, mesmo “alegre”, almoçava
nos corredores das casas de amigos.
Morava numa casa
abandonada onde antigamente fora bar. A porta não possuía
trava nem tranca, as janelas sem vidros, colchão no chão,
alguns trapos e só.
Garapa, apelido que
adquiriu justamente pelo motivo de constante embriaguez, recebia conselhos
para deixar de beber. Até as crianças pediam a ele para deixar
o vício mas nada acontecia.
Ele possuía
esquisita mania de colocar um copo com pinga no sereno, em sua janela,
para tomá-la logo de manhã. Dizia que essa era abençoada.
Havia a promessa
de que no dia em que o copo amanhecesse vazio seria sinal de que não
beberia nunca mais.
Por vários
anos o pessoal do bairro observou se o copo amanhecia vazio ou não,
mas qual o quê, todas as manhãs lá estava a “abençoada”.
Ninguém mais ligava para o fato.
Certa manhã,
um domingo, quando ninguém mais se lembrava da famosa promessa do
Garapa, um garoto que passava por ali observou que o copo estava vazio.
A notícia
correu logo pelo bairro, preparou-se a banda, compraram-se fogos de artifício,
juntaram-se todos numa passeata e foram até a casa do Garapa para
a grande comemoração, pois sabiam que ele bebia mas tinha
palavra. Pensaram até num grande churrasco. O padre rezaria uma
missa em ação de graças. Comprariam terno e sapatos
novos, tudo de acordo com o seu gosto.
Às dez horas
da manhã entraram em sua casa para cumprimentálo com o maior
carinho. Garapa havia morrido na véspera logo que entrara em casa,
ao entardecer.
Promessa cumprida, realmente
jamais bebeu.
Março de 2016
Nota do Autor: Conto da mais pura ficção.
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