Justiçaria      

     Num bairro simples e retirado de uma grande cidade, onde a vida é sempre mais difícil e os recursos mais escassos, vivia um grupo de jovens que se satisfazia em aumentar estas dificuldades todas, assaltando, roubando, estuprando e até matando. 
     Após as sete horas da noite ninguém se arriscava a sair à rua sem estar acompanhado de uma ou mais pessoas, mesmo em caso de real necessidade. Tudo era perigo. Qualquer sombra, um poste “apagado” ou um grito numa esquina deserta, deixavam a população local preocupada o resto da noite.
     O pior daqueles jovens não participava de todas as ações diretamente, roubando ou matando, mas sim arquitetando planos e orientando ataques e fugas. Era muito inteligente e, por isso mesmo, obedecido. Era tão maldoso e insensível  que seu próprio olhar já feria. Sua especialidade era o estupro.
     Passados dois anos de terror e sofrimento, a polícia conseguiu colocar as mãos neles. O chefão, delatado e traído por seus companheiros, foi condenado a quatro anos de cadeia. O grupo foi desfeito, indo cada um para uma prisão.. Assim, incomunicáveis, os elementos daquela gangue não encontraram mais motivos para um dia se juntarem novamente.
     Na cadeia, por uma felicidade muito grande, o chefão teve como parceiro de cela um preso que estava praticamente recuperado e que, através de muitos papos, lhe foi passando uma porção de idéias  e pensamentos positivos que, apesar de tudo, o sensibilizaram. O sofrimento da solidão, a distância enorme entre ele e as regalias da liberdade, a alimentação inadequada, a ausência de higiene, lhe ensinaram que o respeito às pessoas e às coisas é importante e necessário. 
     Saiu da cadeia após os quatro anos e, regenerado, começou a trabalhar honestamente. Passou a fazer parte da sociedade de forma correta. Casou-se e constituiu família. Mudou-se para um bairro onde não era conhecido e passou a ser respeitado como um homem de bem, o que agora realmente era.
     Seu filho mais novo, de seis meses, acordou com febre durante a madrugada, tendo convulsões, num estado desesperador. O garoto já se tratava de um mal sério do coração. O pai imediatamente se utilizou do orelhão mais próximo, bem público a que ele mesmo já dera fim muitas vezes, chamando uma ambulância, marcando uma esquina próxima para esperá-la.
     O motorista da ambulância reconheceu de longe o bandido que há alguns anos atacara uma de suas filhas e, com medo de mais uma agressão, manobrou rapidamente e voltou sem atender ao chamado.
     A criança morreu apesar dos sinais e gritos do pai tentando chamar a atenção do socorro que estava tão próximo.

N. A. : Conto de pura ficção.
 

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