"O cão do padre"
Numa manhã
chuvosa a cidadezinha acordou tão triste e cinzenta, nada de pior
poderia ter acontecido, durante a noite anterior: o padre daquela paróquia,
Monsenhor Carlos, com 78 anos de idade, já não fazia mais
parte do mundo dos vivos.
Sentiu-se mal
ao entardecer e foi internado no hospitalzinho local onde poucas horas
depois veio a falecer. Seu coração já estava cansado
demais.
Foi pároco
daquela localidade por 34 anos. Era pate de todas as famílias do
local. Atendia a todos, na igreja ou nas residências, com uma atenção
ímpar. Sempre tinha uma palavra de consolo, um elogio e até
mesmo uma chamada de atenção. Ninguém o retrucava,
tamanhas eram a bondade e a educação daquele padre querido.
De seu não
possuia nada. Não cobrava batizados nem casamentos. Quem quisesse
pagar, pagava o que desejasse. Todo dinheiro arrecadado, com doações
e ofertas, era transformado em cestas básicas e remédios,
distribuídos gratuitamente.
Em várias
épocas o povo se cotizou para comprar sapaos, batina, meias, cuecas,
lenços e calças para o padre.
O povo todo
exigiu que o padre baixasse à sepultura naquela mesma cidade. Queriam
tê-lo por perto para sempre.
No mesmo dia
chegou o novo padre, padre Abílio.
Curiosidade geral.
Espanto maior.
Trazia consigo
um pastor alemão, de andar lerdo, manso, preso ao pulso do padre
por uma simples cordinha. Eram inseparáveis diuturnamente.
Aos poucos
padre Abílio foi conquistando a amizade e a atenção
de seus novos paroquianos. Era um padre relativamente jovem, muito alegre
e dono de um coração sem tamanho. As cestas e os remédios
seguiam as regras do Monsenhor Carlos.
O ipasse, pequeno,
era o cão. Ninguém entendia porque tamanha amizade entre
o padre e aquele animal.
Durante a missa
o cão ficava amarrado ao lado do altar; nos batizados, próximo
a pia baismal. Nas procissões, preso às mãos do padre
através da curiosa cordinha.
A igreja ficava
apinhada de fiéis em todas as missas; nas procissões a mesma
cosa. Idem nos batizados e vias sacras. Vinha muita gente das cidades vizinhas
rezar, ouvir missa, assistir a batizados e casamentos e... ver o cão.
Faziam piadas,
gozações, inventavam histórias, sempre incluindo um
padre e um cão. Uma grande parte da população já
apresentava sintomas de insatisfação, de preocupação.
Sentia-se que a cidade estava servindo de pilhéria para os visitantes.
Pelo padre,
nada ontra. Era muito respeitado e já conseguira, apesar do cão,
a simpatia e amizade de seus paroquianos. Ele seguia as passadas benditas
de Monsenhor Carlos.
Formou-se uma
comissão de pessoas que faziam parte de vários setores da
sociedade e que sempre apoiaram a igreja.
A comissão
faria uma única prgunta àquele padre que já estava
na cidade há 3 anos:
"Por que motivo
o padre tinha sempre ao seu lado, mesmo nas práticas religiosas,
preso por uma cordinha, aquele cão?"
"O cão
é cego!" --- respondeu calma e simplesmente o padre Abílio.
Cega era aquela
população que jamais percebera a cegueira do cão.
Nais cego ainda
e muito esquisito, é o autor do conto, Zé do Joca, que só
percebeu, também, que o cão era cego depois da resposta do
padre.
Fevereiro de 2015
N.A. conto de pura ficção.
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