Pousada da Felicidade
I
Quem olha para aquele casarão velho
e abandonado,
Telhado falho, pintura incerta, rodeado de
mato,
Sem as folhas de algumas portas e janelas,
Não imagina o que ele já representou.
II
Seus proprietários primeiros, os construtores
de tudo,
Já não existem mais, são
pálidas lembranças.
Jovens ainda, aprenderam a se amar, a só
se amar.
O amor foi o tempero principal daquela vida
a dois.
III
Encontravam-se na praça, riam juntos,
muito juntos.
Conversavam na praça, falavam e se
olhavam.
Namoravam na praça, olhos nos olhos,
mãos nas mãos.
Dançavam na praça, rodavam,
rodavam, rodavam.
IV
Casaram-se na igreja da praça, da mesma
praça.
Construíram o casarão dos sonhos
ali na praça.
Enorme, vistoso, altivo, ponto de referência.
Porto da alegria, residência do amor
e de muita vida.
V
Todos os filhos nasceram ali, muitos netos
também.
Festas fabulosas, reuniões familiares
intermináveis.
Decisões importantes, local de tomada
de atitudes.
A família era o casarão, este
era a família.
VI
Bailes, saraus, pianistas, poetas e poetisas.
Pintores, paisagens, aquarelas, artes e artistas.
Canto, cantores, corais, solos, vida borbulhando.
Casamentos, batizados, namoros, noivados.
VII
Tudo sob a batuta do amor daquele casal,
Parceiros eternos de antigas juras de amor.
Cada filho era a esperança que redobrava.
Cada vez havia mais esperança.
VIII
Esperança de tudo, não temiam
o futuro.
No casarão comentava-se com prazer
o passado.
Não se comentava o presente, vivia-se.
Para aquela família, o futuro era responsável
por si próprio.
IX
Tanta felicidade ainda poderia dar o que falar.
Aos poucos começou a vazar pelo ladrão
do tempo.
Alguns membros foram partindo, ceifados pela
morte.
A velhice, crua e contundente, chegou e permaneceu.
X
As gerações mais novas somente
ouviram, não viram.
Não viveram, não sentiram, não
participaram.
O casarão passou a ser grande demais,
imenso.
Bisnetos, tataranetos, sem contato com a primeira
geração.
XI
Casarão esquecido, herdeiros distantes
do valor estimativo.
Viam ali apenas empecilho, despesas, impostos.
O amor que ali teve uma atuação
de predestinados,
Agora absorvido por outros interesses, sumiu,
suspirou.
XII
Há quem diga que, altas horas da madrugada,
raramente,
Exala dali um aroma inebriante, sedutor, incomparável.
Sons maviosos, suaves, ímpares, aconchegantes.
Luzes acesas em todos os cômodos, varandas
e jardins.
XIII
Isso tudo somente os mais antigos criaram
na imaginação.
Aqueles que viveram aquela época, conviveram
com o casarão.
Só os que conseguem voltar os ponteiros
do relógio da vida
E deixam a saudade fluir, navegar, emocionar.
XIV
Hoje ninguém valoriza o grandioso prédio,
está à parte.
Poucos conhecem sua verdadeira história,
está esquecido.
Os saudosistas, cultivadores de reminiscências,
dizem orgulhosamente
Que o casarão já foi a pousada
da felicidade.