“O Primeiro Amor“
“Um mais
um igual a dois, dois mais dois igual a quatro. Vamos menino, repita”.
Logo vinha a repetição: um mais um igual a dois, dois mais
dois igual a cinco. “Não, não, dois mais dois igual a quatro.
Repita desde o início”, dizia a voz calma, paciente e carinhosa.
O menino repetia tudo corretamente. Um largo sorriso aflorava no rosto
maternal de alguém que no trabalho colocava muito amor e muita
paciência, com a sabedoria própria dos predestinados.
Seu material profissional
eram a voz, as mãos carinhosas e os aplausos. As reprimendas eram
sabiamente passadas, evitando-se constrangimento, insegurança
e traumas.
Durante o ano todo
ouviam-se informações novas e se confirmavam as já
estudadas. Tudo era motivo para uma explicação envolvendo
uma história, um “causo”, contados com os detalhes que só
os sábios conhecem e manipulam.
“A linha existe para
você se nortear quando escreve; escreva sobre a linha, com cuidado
e devagar”. O menino ouvia e começava a primeira linha, entortava-se
todo e conseguia, numa “arte” incomum, passando desastradamente pela segunda,
seguindo a frase na terceira e, às vezes, num esforço descomunal,
lutando contra obstáculos terríveis e monstruosos, que só
ele via e sentia... chegar até a quarta linha !
“Apague, apague.
Apague tudo isso e faça de novo”. Gastava-se mais borracha que lápis.
Ela fazia a primeira linha como exemplo. O menino conseguia acertar
até a terceira vez que fazia a cópia e logo desabava linhas
abaixo.
“Apague da terceira linha para
baixo e faça de novo”, dizia aquela voz que não se cansava
nunca e ainda elogiava os primeiros acertos.
Tanta bondade e compreensão
davam ao menino ânimo para fazer e refazer, fazer e refazer, até
que chegasse a fase do somente fazer, sem precisar refazer. Era o
aprendizado que surgia. Era o conhecimento transformando o menino em homem,
através das mãos benditas da primeira professora.
Eram quatro horas
de aula onde se escrevia, se desenhava, se copiava, se comentava tudo sob
a batuta mágica de maestrina incomparável, enérgica,
compreensiva, que aplaudia ou corrigia, sempre ensinando e passando a todos,
com a maior boa vontade, tudo o que ela sabia.
Segurando um pedaço
de giz, uma pequena régua ou um toco de lápis, era o saber,
a delicadeza, a sensibilidade desfilando à nossa frente, sem o mínimo
desejo de recompensa ou agradecimento.
Sabia de antemão
que o fruto de seu trabalho apareceria bem mais tarde. Quando adultos,
seus alunos seriam pessoas importantes para a família, para
a comunidade, sem que ela fosse informada disso. Sua satisfação
era a certeza de que sua contribuição, que achava sempre
ser pouca, seria um ponto inicial verdadeiro, para sempre,
imutável e, com certeza, abençoado.
Condutora de nossos
primeiros passos no caminho do saber, iniciou doutores, administradores,
professores, técnicos e todos os construtores desse mundo de Deus.
Todos nós
tivemos o nosso primeiro amor que foi, seguramente, a nossa primeira professora
primária.
Pouca estatura, gordinha,
morena e risonha, eram as características de meu primeiro amor que
hoje, ao lado de anjos e bem próximo de Deus, continua seu trabalho
sem fim e maravilhoso.
Aprendi as primeiras
letras e comecei a lidar com os números no Grupo Escolar “Barão
de Serra Negra”, em 1945, sob as ordens e os amores de Maria José
Gil, a Dona Zezé de muitos de nós.
15 de outubro de 2004
Dia do Professor
N. A . – Dona Eulália Godoi de Melo
(2º e 3º anos) e Dona Maria Joana de Aguiar Aires (4º ano)
foram as outras professsoras de meu curso primário. Outros dois
grandiosos amores.
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