Professorica
 
     Terminou o Grupo Escolar numa época em que o estudo era somente para homens. Mulher, sabendo assinar o nome, já estava muito bom.  Muitas meninas sequer faziam o curso primário. Iam para a cozinha ajudar a mãe ou para a roça ajudar o pai. Ginásio, somente para ricos porque estudo era coisa para ricos.  
     Iracema, menina pobre mas inteligente, sempre gostou de livros e, por isso mesmo, queria continuar perto deles. Mas como, sem continuar os estudos ? O ginásio era seu objetivo mais próximo. Sua família, seu obstáculo maior. 
     Quando outras pessoas tomaram conhecimento de suas idéias, todas ficaram assustadas com tanta ousadia: uma menina pobre com idéias de estudo na cabeça !
     A mãe imediatamente passou a lutar para mudar-lhe os pensamentos. Parentes e amigos, todos fizeram o mesmo. Somente o pai não dizia nada, mas pensava muito.
     “Imagine  só, eu, um  pobre coitado,  lavrador sem  posse nenhuma,  com uma filha estudada !”.
     Pode parecer mentira, mas todo o apoio necessário veio do pai, um homem pobre, simples e ignorante.
     Na escola, só colegas oriundas de famílias abastadas. Sempre sozinha e humilhada, mas determinada: seus companheiros eram os livros.
     Terminou o ginásio e, com um sacrifício sem par, seu pai a matriculou no curso Normal. Quase chorando de satisfação, disse a si mesmo: 
     “Imagine só, eu, um pobre coitado, lavrador sem posse nenhuma, com uma filha professora!”.
     O curso Normal foi muito bem feito, apesar de todas as dificuldades normais e anormais. Ela não participou da festa de formatura por motivos óbvios, mas foi a primeira da classe e recebeu cadeira a prêmio. Pensou:
     “Valeu o sacrifício “.
     Sua escola era na zona rural, morava em um minúsculo sítio onde só havia a casa do proprietário e a escola. Seu café era feito com milho torrado, sua melhor mistura era torresmo.
     Para participar de reuniões na Delegacia de Ensino andava 18 quilômetros a cavalo. Dava aulas numa pequena sala para alunos de primeira, segunda e terceira séries.
     Quando alguém ficava doente ou se machucava na região daquele sítio, ela era a enfermeira. O mesmo se dava quando a mãe de algum aluno dava à luz. Era catequista, preparando alunos para a primeira comunhão. Sanitarista, ensinava aos pais de seus alunos como deveriam ser construídas as fossas negras.
     Catava piolhos nas cabeças de seus alunos.
     Todos os que a conheciam diziam que era um “leão“. Tinha uma fibra que só os realmente valentes podem exibir. Muita saúde e disposição. Sua escola estava sempre pintada, limpa, organizada.
     Era uma líder nata. Realmente um leão. Todos a chamavam de Professora Leão.
     Somente no dia do pagamento, na agência bancária, era chamada de professorica.

15 de outubro de 2007
Dia do Professor


 

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