Um time e duas camisas
                                                                                                            
     Na cidade havia apenas dois clubes de futebol: o Nacional e o Botafogo. Ambos totalmente amadores, contando sempre e sempre com a boa disposição dos torcedores para comprar bolas, pagar lavagens de camisa, conseguir transportes para os jogos fora da cidade e assim por diante.
     Perdendo ou ganhando, esses clubes conseguiam se manter graças à rivalidade que sempre existiu entre ambos. O Botafogo era o mais antigo e, por isso mesmo, mantido pelas famílias mais tradicionais e representativas da localidade. O Nacional era o mais novo e, também, o mais popular. Consequentemente, o mais pobre. 
     Havia grande agitação na cidade quando se defrontavam: o perdedor ouviria piadas e gozações até que fosse vencedor em nova disputa. O empate era uma tristeza, não dava chances a situações vexatórias.
     O pai que torcia para determinado clube, exigia e sabia que a esposa, os filhos, noras,  genros e netos preferiam as mesmas cores: branco e vermelho do Botafogo ou preto, verde e branco do Nacional. Não se admitia na família ninguém do “contra”.
     O chefão político da cidade, Dr. Gonzaga, homem de seus quase oitenta anos, cheio de vida, com uma família numerosa e dono de um pequeno sítio, comandava o maior clã a favor do Botafogo. Não perdia nenhum jogo, fazendo questão sempre de levar o maior número possível de familiares para torcer para o seu clube.
     Era o maior criador de apelidos, piadas e gracejos a fim de mexer com os nacionalistas. Era, ao mesmo tempo, o alvo principal dos torcedores tricolores.
     Maior decepção foi quando o “Dr.”  soube que um de seus netos, o Serafim, de oito anos, tinha preferência pelo time contrário, dizendo mesmo que ainda jogaria pelo Nacional quando fosse “grande”. 
     A família toda, comandada pelo avô, fez a maior pressão sobre o menino, tentando demovê-lo de sua escolha futebolística, não lhe dando um instante sequer de sossego. Toda a torcida botafoguense entrou em campanha para que o único dissidente analisasse melhor sua posição. Tentou-se de todas as formas levá-lo para a torcida do avô, dos pais, tios, primos...
     Na escola, em casa, nas festas, nas ruas, onde quer que estivesse, o garoto sofria o “ataque” de toda a família botafoguense.
     Incapaz de alterar sua escolha, que fora natural, livre de qualquer influência, abateu-se, caiu de cama, ficou debilitado. Foi internado no hospital local, dando trabalho aos médicos.
     O avô, que não contava com essa situação, perdeu o embalo todo, ficando preocupado, como de resto toda a família alvirrubra.
     No hospital, bem próximo do neto, fez-lhe uma promessa ao pé do ouvido; falou tão baixo que só os dois ouviram. Essa promessa foi o remédio de efeito positivo mais rápido de que se tem conhecimento na cidade. Serafim sarou no mesmo instante.
     Hoje o avô continua torcendo para o Botafogo, mas vai ao campo de futebol em todas as partidas, usando a camisa do Nacional.
9 de agosto de 2009
Dia dos Pais
                                                                                                             
Notas do autor  : 1) Conto de pura ficção.                                            
                            2) Avô é pai duas vezes. 
 

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