Vovô, avô,“vô”!
A “Vila” não
era muito grande, talvez sete ou oito mil habitantes. Todos se conheciam.
Havia muito respeito entre todos. Vida calma, pouco ou quase nenhum trânsito.
Carrinhos, troles, charretes e carroças representavam, numa porcentagem
muito grande, o movimento de veículos pelas nossas santas ruas de
terra.
Os postes, de madeira
ou de ferro, estes iguais aos trilhos usados nas estradas de ferro. Iluminação
deficiente. Toda a água usada era enviada ao Tijuco Preto pelas
sargetas e bueiros. Fossa negra era de uso geral.
“Apagava-se” a poeira
das ruas com o serviço executado pela Prefeitura, através
de uma carroça-pipa. O trem era o meio de transporte de maior uso.
1944/45 mais ou menos.
Estávamos na época de mais um concurso que premiava a melhor
horta da cidade.
Seu Manoel, um português
de mais ou menos cinqüenta anos de idade, jovial, simples, alegre,
com uma saúde de ferro, apreciador de uma bela “gasolina” , já
participara de todas as disputas anteriores e, apesar de conseguir ótimas
colocações, nunca sentira o prazer da vitória.
Casado com uma viúva,
Dona Luiza, já mãe de três filhos, criou-os junto aos
outros seis como uma família de verdade: sem diferenças,
com muita luta, trabalho e, principalmente, com muito amor.
Carregou os nove
filhos no colo e no coração.
Todos os netos, todos,
sempre sentiram nele o avô que qualquer criança gostaria de
ter.
Ele era o querido
vovô, avô ou “vô” Manoel.
Um de seus netos
vivia mexendo nos canteiros, plantando alguma coisa, molhando as plantas,
sentindo por isso grande amor pela horta do “vô” Manoel. Seu entusiasmo
por aquela atividade aproximou mais ainda neto e avô, havendo entre
eles um relacionamento de amigos verdadeiros.
O neto começou
a incentivar o avô para que lutasse com todas as forças
a fim de conseguir o prêmio principal no concurso de hortas.
Chegava mais cedo
que o avô, molhava os canteiros, colhia alguma verdura e fazia reparos
nos caramanchões de uva, chuchu e maracujá. A partir daí
começou a sobrar algum tempo para que o “vô” Manoel se dedicasse
mais a outros setores da horta.
O prêmio veio
e a alegria tomou conta de ambos de tal forma que o neto, totalmente emocionado,
ficou gago e, logo em seguida, perdeu a voz.
Fez-se de tudo para
que tudo voltasse à normalidade, mas tudo foi em vão.
Seu Manoel ficou
desgostoso com aquela situação. Já não era
o mesmo. Cada vez que via o neto seus olhos ficavam encharcados de lágrimas.
Certa manhã, depois de dois ou três meses do “acontecido”,
“vô” Manoel foi até a horta e começou a destruir o
que via pela frente. Pretendia acabar com tudo que fazia parte daquele
seu trabalho, tudo que o levava a pensar na situação complicada
em que ficara o neto.
- Não ! Não, “vô”! Não faça isso !
Era uma voz sua conhecida,
que vinha do portão da horta. O neto, desesperado
pela decisão do avô, naquele instante recuperara a voz.
Abraçaram-se
e se beijaram mil vezes, rindo e chorando.
A horta continuou
a ser tratada para vencer qualquer concurso, mas, por decisão do
avô e do neto, nunca mais participaram.
N. A . : Este conto é formado por
ficção e realidade. Na parte real incluo meu avô Manoel.
A “cassununga” e todos os meus primos reconhecerão de imediato a
figura daquele avô de ouro. A parte de ficção é
o sonho que todos os netos do “vô” Manoel gostariam de sonhar.
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