REMINISCÊNCIAS DA ESALQ e IPEF

Parte inicial de uma longa memória... 

Minha turma ingressou na ESALQ em 1962, ano em que foi aprovado o desdobramento da Cadeira de Horticultura e nasceu a Cadeira de Silvicultura (Decreto 3981 de 08.03.1962, publicado no Diário Oficial do Estado de São Paulo, Ano LXXII, nº 54, sexta-feira, 09.03.1962, sendo Governador Carlos Alberto A. de Carvalho Pinto).

O Jornal de Piracicaba de 10 de março de 1962 publicou o fato com destaque:


Desdobrada a 12ª. Cadeira da ‘Luiz de Queiroz’

O Governador Carvalho Pinto acaba de assinar decreto desdobrando a 12ª. Cadeira (Horticultura, Fruticultura, Silvicultura, Olericultura e Floricultura) nas cadeiras de Horticultura e Silvicultura. A Cadeira de Horticultura compreenderá as seguintes disciplinas: Fruticultura, Olericultura, Floricultura e Arquitetura Paisagística.A Cadeira de Silvicultura compreenderá: Dendrologia e Dendrometria, Inventários Florestais, Ecologia e Fitogeografia, Silvicultura Aplicada, Proteção e Administração das Bacias de Captação e Proteção de Mananciais e Tecnologia de Produtos Florestais. As disciplinas da Cadeira de Horticultura serão ministradas nos semestres do 3o. ano e as da Silvicultura nos semestres do 2o. ano do Curso de Agronomia da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”. Fica facultado ao atual titular da Cadeira desdobrada por este decreto optar por uma das Cadeiras resultantes deste desdobramento.”

Com isso, minha turma, em 1963, foi a primeira a ter a disciplina “Silvicultura” no curso regular da ESALQ.

A Cadeira de Silvicultura, recém-nascida, através de seu arquiteto, Prof. Helládio do Amaral Mello (Esalq, turma de 1943), passou a engatinhar e dar os primeiros passos ( com tombos e trombadas) com “ótimas companhias” da iniciativa privada: Champion e Duratex. Isso porque seu “pai” era muito amigo de colegas esalqueanos, quais sejam, Asdrúbal Silveira Alves turma de 1940) e Antonio Sebastião Rensi Coelho (turma de 1954), o primeiro da Champion e o segundo da Duratex, entre outros. Iniciava-se, assim, uma ação entre colegas para uma coisa inimaginável, na época, que hoje é batizada com o pomposo nome de INTEGRAÇÃO UNIVERSIDADE-EMPRESA. Essa ação entre amigos foi o ponto de partida da criação do IPEF 6 anos depois.

Por essas “coincidências florestais”, ambas as empresas tinham o eucalipto como uma das mais promissoras matérias-primas para seus produtos industrializados. A Duratex, mais ousada, acreditou e investiu totalmente no eucalipto. A Champion, mais precavida afinal, o eucalipto era matéria-prima de segunda categoria para celulose), além do dito-cujo plantou muitos hectares com Pinus e bambu. O passar do tempo mostrou que a preocupação era infundada e a Champion eliminou a “dupla de segurança de fibras longas”, a duras penas.

Voltando ao início...Após meu ingresso na ESALQ, comecei, ainda “bicho” a estagiar na Cadeira de Química Analítica onde permaneci até início de 1964 quando migrei para Cadeira de Silvicultura a convite do Prof. Ronaldo Algodoal Guedes Pereira do qual guardo excelentes lembranças e muito aprendi com seus exemplos de dedicação, determinação, entusiasmo e, sobretudo, visão de longo alcance. Com ele aprendi ”que teríamos que batalhar para sermos os melhores da América do Mundo”. Grande Mestre Ronaldo... minhas reverências!!!! Quando cheguei ao “laboratório de química” dispúnhamos de duas bancadas, duas pias, uma pipeta, uma bureta, um copo becker, uma espátula, uma pinça e um bico de búnsen ( estes três últimos guardo, até hoje, como lembranças). Mas havia uma novidade estrondosa: a FAPESP acabara de doar um laboratório completo para produção, processamento e testes de celulose. Fato inédito numa Escola de Agronomia. Começava a nascer a liderança das pesquisas de celulose no Brasil, a despeito das escolas de química, engenharia química e aparentados. O agrônomo e o futuro engenheiro florestal) começava a mostrar competência numa área da qual “até Deus duvidava” naquela hora. Bem... deu no que deu!!!

No meio do quinto ano fui convidado junto com Walter Suiter Filho, excelente colega de turma, “meu irmão” à época!) para permanecer como professor junto à Cadeira de Silvicultura. Para meus pais foi a glória dado o prestígio que o docente da ESALQ gozava naqueles dias. Para mim, uma angústia tremenda pois era professor do Curso Luiz de Queiroz e o salário de professor na USP seria 1/3 ( sim, um terço) do cursinho. Optei pela carreira universitária e não me arrependo até hoje.

Assumindo meu posto de “assistente” do mestre Ronaldo, uma das primeiras missões foi ajudá-lo na tese que vinha preparando e que defendeu em 1969 (Estudo comparativo das propriedades físico-mecânicas da celulose sulfato de madeira e E. saligna, E. albaE. grandis). No ano anterior, o Prof. Helládio já tinha “inaugurado” a sequência de teses com a sua de Professor Catedrático (Aspectos do emprego de fertilizantes minerais no reflorestamento de solos de cerrado do estado de São Paulo com Eucalyptus saligna). Em paralelo, o Prof. Mário Ferreira, em 1968 defendia sua tese de doutorado ( Estudo da variação da densidade básica da madeira de Eucalyptus alba e E. saligna) e, aproveitando o embalo, em 1970, atacou com uma continuação para livre-docência (Estudo da variação da densidade básica da madeira de povoamentos de Eucalyptus grandis).Como se não bastasse, oProf. João Walter Simões contra-atacava, em 1968, com sua de doutorado (Métodos de produção de mudas de Eucalipto) e Prof. Antonio Paulo Mendes Galvão, no mesmo ano de 1968, com sua de mestrado (Características da distribuição de alguns preservativos hidrossolúveis em moirões de E. alba tratado pelo processo de absorção por transpiração radial).

Para não ficar muito atrás, aventurei-me na minha de doutorado em 1971 (O uso da madeira de Eucalyptus saligna na obtenção de celulose pelo processo bissulfito-base magnésio). Foi uma forma de me livrar das “cobranças” do “capo” Helládio. A isso, some-se ainda outras não relacionadas à “GRANDE FAMIGLIA MIRTACEA” a saber: doutorado do Prof. Walter Suiter Filho em 1971 (Propagação vegetativa de coníferas do gênero Pinus por enxertia), livre-docência do Prof. João Walter Simões em 1972 ( Efeitos da omissão de nutrientes na alimentação mineral do Pinheiro do Paraná cultivado em vaso) e M.S. do Prof. Celso Edmundo Bochetti Foelkel em 1973 (Unbleached kraft pulp properties of some of the brazilian and us Pines). Com isso, registre-se que o período 1968-1973 foi o mais profícuo com relação à geração de teses) da Cadeira de Silvicultura, depois Departamento de Silvicultura e hoje Departamento de Ciências Florestais. Parafraseando um energúmeno de plantão em Brasília: “Nunca antes nesta ESALQ...”.

Voltando ao eucalipto, devo um agradecimento especial a esse mal-falado gênero que, inclusive me propiciou algo nunca antes sonhado: o Prêmio Moinho Santista ( hoje Prêmio Bunge) recebido em 1994, às vésperas da aposentadoria. Na síntese sobre a concessão é destacado: “Há mais de trinta anos, o eucalipto - árvore australiana integrada à paisagem brasileira desde o início do século - é um dos principais objetos de estudo do engenheiro agrônomo Luiz Ernesto George Barrichelo (1941). Graças às pesquisas pioneiras desenvolvidas por ele e outros estudiosos, a indústria brasileira de papel passou a utilizar amplamente a madeira de eucalipto em substituição à da araucária, evitando grandes prejuízos ecológicos e tornando o país um dos principais exportadores mundiais da celulose extraída dessa árvore. Além de apresentar trabalhos de relevante importância em encontros científicos, Barrichelo produziu mais de noventa artigos sobre recursos florestais e produção de celulose de eucalipto”. (http://www.fundacaobunge.org.br/projetos/premio-fundacao-bunge/premiado.php?id=107&name=luiz_ernesto_george_barrichelo)

Uma pergunta recorrente é porque ter estudado o processo sulfito para a produção de celulose se o mesmo era de restrito interesse no Brasil. Pelo fato de ter colaborado na parte braçal da tese do Prof. Ronaldo com o processo sulfato, julguei-mecomo era presunçoso, oh céus!) “diplomado” no dito-cujo. Daí para decidir trocar o “ato” pelo “ito” foi um pulinho! Conversei com Prof. Helládio e Prof. Ronaldo e consegui convencê-los de que seria interessante diversificar nossas “tecnologias”. A meu favor começavam pipocar manifestações contra o processo kraft com relação aos problemas de poluição. A Melhoramentos, Cambará e outras menores ainda produziam celulose sulfito o que serviu de reforço à idéia. E assim foi... depois de alguns meses já estava arrependido pois a produção e análise do licor eram extremamente complicadas, para não falar no cozimento. Porém fui em frente, mas sempre quando me distraia, era pego de surpresa com o “sonho” de destrocar o “ito” pelo “ato”. Sobrevivi! Deo gratias!

Mas, nem só de eucalipto “vivíamos” naqueles saudosos dias.

Corria o ano de 1976 e o Prof. Helládio sentiu que, com o crescimento do Departamento, estava ocorrendo uma dispersão de horizontes dos professores. Aí tevea brilhante idéia de identificar um projeto que agregasse todos os dito-cujos ( mais ou menos desgarrados). Nascia o projeto USP/ESALQ/BNDE/FUNTEC nº 305/76, também conhecido como PROJETO PESQUISA TECNOLÓGICA PARA MELHORIA DOS PINHEIROS TROPICAIS, vulgo PPT. 

Registro com satisfação que o relatório “ Celulose kraft de madeiras de pinheiros tropicais” faz parte do primeiro Boletim Informativo editado e foi, a partir dele, gestada e parida minha tese de livre-docência ( Estudo das características físicas, anatômicas e químicas da madeira de Pinus caribaea var. hondurensis Barr. E Golf. para a produção de celulose kraft)

Mas, recordemo-nos, um pouco do IPEF.

A história do IPEF --- Instituto de Pesquisas e Estudos Florestais --- constituído em 1968 como sociedade civil sem fins lucrativos, hoje associação sem finalidades econômicas, está intrinsecamente ligada à historia do Departamento de Ciências Florestais da ESALQ / USP.

Conforme o início destas reminiscências, em 1962, a Congregação da ESALQ aprovou a criação da Cadeira 22 – Silvicultura, tendo como primeiro catedrático o Prof. Helládio do Amaral Mello, que, em viagem de estudos na Escola de Florestas da Universidade da Carolina do Norte, EUA, tomou conhecimento de um programa de cooperação entre a universidade e setores empresariais visando o desenvolvimento de pesquisas. Nascia assim, a intenção e o compromisso pessoal da implantação de um modelo inédito de pesquisa e extensão para o setor florestal brasileiro.

O apoio para a implementação de um novo sistema cooperativo no Brasil veio da Champion Celulose Ltda.hoje, International Paper do Brasil) , com a qual, desde o início da década de 1960, o Professor Helládio realizava trabalhos conjuntos para melhorar a qualidade das plantações florestais ainda incipientes à época. A Duratex S.A., logo a seguir, se engajou no novo projeto e depois outras três empresas que se constituíram nas fundadoras do Instituto, em abril de 1968, a saber: Cia. Suzano de Papel e Celulose S.A.( na época Indústria de Papéis Leon Feffer), Indústrias Madeirit S.A. e Rigesa Celulose, Papel e Embalagens Ltda.

A missão do Instituto, desde sua fundação,consiste no planejamento, na implementação e na coordenação de ações e gerenciamento de recursos, destinados a estudos, análises e pesquisas na área de recursos naturais, com ênfase na ciência florestal.

Outra pergunta recorrente: e o IPEF e eu?

Como fui admitido como professor junto a então Cadeira de Silvicultura em junho de 1967, recém-chegado acompanhei o burburinho acerca da institucionalização do relacionamento entre algumas empresas florestais com a Universidade. Em outras palavras e para encurtar) sou um dos poucos “sobreviventes” que acompanharam a gestação, parto, batizado, crisma, primeira comunhão, etc., etc., do menino que completou 40 anos no no ano de 2008. Como minha memória não é tão privilegiada, só consigo me lembrar de dois professores que se destacaram para o sucesso inicial do IPEF com todo respeito aos outros que já compunham o time de pioneiros): Prof. Helládio ( tido como o “pai”) e Prof. Ronaldo, que já chamei anteriormente de “a mãe” em depoimento no livro “A Floresta e o Homem”, publicado nas comemorações dos 30 anos do “garotão”). Outra fonte importante para a história do IPEF pode ser encontrada no livro publicado 10 anos depois, quando da comemoração dos 40: “A História do IPEF na Silvicultura Brasileira”.

Sempre procurei participar e colaborar nas lides ipefeanas e devo ao mesmo ( IPEF/PIRACICABA e IPEF/ASSOCIADAS) as facilidades concedidas, oportunidades abertas, inspirações e desafios para evoluir na carreira docente e de pesquisador. Inclusive, o respeito e admiração eram mútuos que dois fatos foram de destaque no início da década de 70: doação de um digestor REGMED para a SQCP Seção de Química, Celulose e Papel--- bons tempos, não?) e a primeira “continha” para administrar os parcos recursos da Seção. Essa benesse depois foi estendida a outras seções/ setores hoje laboratórios) da Cadeira/Departamento e hoje, a Diretoria Executivatem que “conviver” ( “sobreviver” e “rebolar”) com a administração de cerca de 100 contas que movimentam de 1 a 1,2 milhão de reais por ano. Cruzes!!!

Em 1980 o IPEF entrou em “rota de colisão” com o Departamento briguinhas padrões de irmãos adolescentes ou aborrescentes). O LCF com 18 anos e o IPEF com 12. Na realidade... o que aconteceu foi que o “pai de todos” se aposentou e a filharada perdeu o rumo, o prumo, o azimute, o escambau!!!

Nestas alturas, a gestão administrativa já tinha mudado umas três vezes e o modelo da época previa a existência de três diretores: administrativo, técnico e científico. Como uma possibilidade de gerenciar o pandemônio reinante inclusive as empresas cogitavam de “fechar as portas”) fui lembrado como “a salvação da lavoura” e convidado para assumir o cargo (honroso) de Diretor Administrativo. Como todo idiota que se preza, aceitei não sei porque até hoje). Depois de um mês já concluía que “tinha entrado numa fria”. Resumo da ópera: após 6 meses de tentativas, finalmente consegui me demitir. Permaneço na dúvida sobre quanto foi incompetência, quanto foi inabilidade, quanto foi imperícia... enfim... um montes de “is”. Hoje aposentado, posso ver à distância que realmente administrar conflitos não é brincadeira...e se o conflito for com professores, então... não há possibilidade de avaliar ou medir as dificuldades. Minha conclusão é por causa de mais dois dos malditos “is” : imortalidade e indestrutibilidade que caracterizam grande parte dos docentes da USP, como de todo o funcionalismo público a nível municipal, estadual, federal e mundial ( e “intergalatical”, se houver no futuro)

Mas... sempre tem um mas.

Entrei em hibernação até junho de 1986 quando voltei, com toda pompa e circunstância, como Diretor Científico onde bati o recorde de “durabilidade” até 1992 ( excluindo Mestre Helládio que agüentou o rojão por 11 anos-1968/79), quando entrei em outra esparrela assumindo, no início de 1993, a Prefeitura do Campus “Luiz de Queiroz”. Como diz o Miguel Falabella, ator/diretor,“devo ter jogado pedra na cruz”. 

Até o calvário da “municipalidade esalqueana”, acumulei entre 1988 e 1992 a Chefia do Departamento de Ciências Florestais com a Diretoria Científica do IPEF. Aí deu pra “deitar e rolar”, e aproveitei para copiar (emular, mimetizar, seguir, tentar se igualar, etc.) o modelo do Prof. Helládio de “chefe absoluto”. Abrindo um parênteses, hoje, com honrosas exceções predominam os “chefes relativos”, fruto do “desejado e sonhado” democratismo que procura somar/acumular benefícios e subtrair/evitar responsabilidades.

Após a aposentadoria permaneci como professor permissionário ( termo hororroso) até 2001 e em seguida, mandei-me para outras plagas, prados e campinas, retornando à casa em maio de 2004 como Diretor Executivo do IPEF onde permaneci até abril de 2016, porque Deus e os “is” permitiram.