Entrei de férias!
Convidado, inicialmente, pelo William, editor-chefe
da excelente Revista Opiniões, para preparar um artigo para esta
edição, respondi que, apesar de agradecido, sentia muito,
pois “estava de férias definitivas”. Perspicaz e ligeiro, respondeu:
“Coincidência. O artigo para o qual eu estou convidando o senhor
a escrever tem exatamente este título: Entrei de férias.”
Proposta irrecusável!
Antes de mais nada, “estar de férias
definitivas” é um estado de espírito. Ou seja, precisa de
muita presença de espírito para responder a perguntas como:
“Não acredito. Como você consegue?”, “O que você está
fazendo?”, e outras mais ou menos lisonjeiras, tipo “Como você aguenta?”
ou “Não sente saudades”?
Dessa pequena amostra de uma lista razoável,
sem demérito de datas e locais, instituições e gratos
amigos, queria focar na vertente “saudades” e, em especial, no início
dos meus contatos com a realidade florestal brasileira há 52 anos.
Exatamente nos primórdios da área de silvicultura na Escola
Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” e na gênese e consolidação
do Instituto de Pesquisas e Estudos Florestais.
Nessas memórias, cito alguns colegas
– muitos falecidos – como preito de admiração e gratidão
a todos os amigos conquistados durante minha carreira docente.
Formado agrônomo, minha turma ingressou
em 1962, ano em que foi aprovado o desdobramento da Cadeira de Horticultura
e nasceu a Cadeira de Silvicultura, através de seu arquiteto, Prof.
Helládio do Amaral Mello (Esalq, turma de 1943). Passou a engatinhar
e dar os primeiros passos (com tombos e trombadas) com “ótimas companhias”
da iniciativa privada: Champion e Duratex. Isso porque seu “pai” era muito
amigo de colegas esalqueanos, a saber, Asdrúbal Silveira Alves (turma
de 1940) e Antonio Sebastião Rensi Coelho (turma de 1954), o primeiro
da Champion e o segundo da Duratex.
Iniciava-se, assim, uma ação
entre colegas para uma coisa inimaginável na época, que hoje
é batizada com o pomposo nome de Integração Universidade-Empresa.
Essa ação foi o ponto de partida para a criação
do IPEF, seis anos depois. Por essas “coincidências florestais”,
ambas as empresas tinham o eucalipto como uma das mais promissoras matérias-primas
para seus produtos industrializados.
Voltando ao início... Após meu
ingresso na Esalq, comecei a estagiar na Cadeira de Química Analítica,
na qual permaneci até início de 1964, quando migrei para
Cadeira de Silvicultura, a convite do Prof. Ronaldo Algodoal Guedes Pereira,
do qual guardo excelentes lembranças, e muito aprendi com seus exemplos
de dedicação, determinação, entusiasmo e, sobretudo,
visão de longo alcance.
Quando cheguei ao novo “laboratório
de química”, ele dispunha de duas bancadas, duas pias, uma pipeta,
uma bureta, um copo becker, uma espátula, uma pinça e um
bico de búnsen . Mas havia uma novidade estrondosa: a Fapesp acabara
de doar um laboratório completo para produção, processamento
e testes de celulose. Fato inédito numa Escola de Agronomia. Começava
a nascer a liderança das pesquisas de celulose no Brasil, a despeito
das escolas de química, engenharia química e aparentadas.
O agrônomo (e o futuro engenheiro florestal)
começava a desenvolver competência numa área da qual
“até Deus duvidava” naqueles tempos. Convidado para permanecer como
professor, assumi meu posto de “assistente” do mestre Ronaldo, e uma das
primeiras missões foi ajudá-lo na tese que vinha preparando
e que defendeu em 1969 (Estudo comparativo das propriedades físico-mecânicas
da celulose sulfato de madeira de Eucalyptus saligna, E. alba e E. grandis.).
No ano anterior, o Prof. Helládio já
tinha “inaugurado” a sequência de teses com a sua de Professor Catedrático
(Aspectos do emprego de fertilizantes minerais no reflorestamento de solos
de cerrado do estado de São Paulo com Eucalyptus saligna.). Em paralelo,
o Prof. Mário Ferreira, em 1968, defendia sua tese de doutorado
(Estudo da variação da densidade básica da madeira
de Eucalyptus alba e E. saligna) e, aproveitando o embalo, em 1970, trabalhou
com uma continuação para a livre-docência (Estudo da
variação da densidade básica da madeira de povoamentos
de Eucalyptus grandis).
Como se não bastasse, o Prof. João
Walter Simões contra-atacava, em 1968, com sua tese de doutorado
(Métodos de produção de mudas de eucalipto), e o Prof.
Antonio Paulo Mendes Galvão, no mesmo ano de 1968, com sua dissertação
de mestrado (Características da distribuição de alguns
preservativos hidrossolúveis em moirões de Eucalyptus
alba tratado pelo processo de absorção por transpiração
radial).
Para não ficar muito atrás,
aventurei-me na minha tese de doutorado em 1971 (O uso da madeira de Eucalyptus
saligna na obtenção de celulose pelo processo bissulfito-base
magnésio). A isso, somaram-se ainda outras não relacionadas
à “Grande Famiglia Mirtacea”, a saber: doutorado do Prof. Walter
Suiter Filho em 1971 (Propagação vegetativa de coníferas
do gênero Pinus por enxertia.), livre-docência do Prof. João
Walter Simões em 1972 (Efeitos da omissão de nutrientes na
alimentação mineral do Pinheiro do Paraná cultivado
em vaso) e M.S. do Prof. Celso Edmundo Bochetti Foelkel em 1973, (Unbleached
kraft pulp propertiesof some of the brazilian and US Pines). Com isso,
registre-se que o período 1968-1973 foi o mais profícuo,
com relação à geração de teses, da Cadeira
de Silvicultura, depois Departamento de Silvicultura e, hoje, Departamento
de Ciências Florestais.
Voltando ao eucalipto, devo um agradecimento
especial a esse mal falado gênero que, inclusive, me propiciou algo
nunca antes sonhado: o Prêmio Moinho Santista (hoje Prêmio
Bunge), recebido em 1994, às vésperas da aposentadoria. A
justificativa da concessão ressaltava as pesquisas desenvolvidas
pela equipe da Esalq com o eucalipto para a produção de celulose.
Mas nem só de eucalipto “vivíamos”
naqueles saudosos dias. Corria o ano de 1976, e o Prof. Helládio
sentiu que, com o crescimento do Departamento, estava ocorrendo uma dispersão
de horizontes dos professores. Aí teve a brilhante ideia de identificar
um projeto que agregasse todos os colegas. Nascia o projeto USP/Esalq/Bnde/Funtec
nº 305/76, também conhecido como Projeto de Pesquisa Tecnológica
para Melhoria dos Pinheiros Tropicais.
Registro com satisfação que
o relatório “Celulose kraft de madeiras de pinheiros tropicais”
faz parte do primeiro Boletim Informativo editado, e foi, a partir dele,
preparada minha tese de livre-docência (Estudo das características
físicas, anatômicas e químicas da madeira de Pinus
caribaea var. hondurensis Barr. e Golf. para a produção de
celulose kraft).
Mas recordemo-nos um pouco do Ipef. A história
do IPEF – Instituto de Pesquisas e Estudos Florestais –, constituído
em 1968 como sociedade civil sem fins lucrativos, está intrinsecamente
ligada à história do Departamento de Ciências Florestais
da Esalq/USP. Conforme cito no início destas reminiscências,
em 1962, a Congregação da Esalq aprovou a criação
da Cadeira 22 – Silvicultura, tendo como primeiro catedrático o
Prof. Helládio do Amaral Mello, que, em viagem de estudos à
Escola de Florestas da Universidade da Carolina do Norte, EUA, tomou conhecimento
de um programa de cooperação entre a universidade e setores
empresariais, visando ao desenvolvimento de pesquisas na área de
melhoramento florestal.
Nascia, assim, a intenção e
o compromisso pessoal da implantação de um modelo inédito
de pesquisa e extensão para o setor florestal brasileiro. O apoio
para a implementação desse novo sistema cooperativo no Brasil
veio da Champion Celulose (hoje, International Paper do Brasil), com a
qual, desde o início da década de 1960, o Prof. Helládio
realizava trabalhos conjuntos para melhorar a qualidade das plantações
florestais ainda incipientes à época. A Duratex, logo a seguir,
se engajou no novo projeto e depois outras três empresas que se constituíram
nas fundadoras do Instituto, em abril de 1968, a saber: Cia. Suzano de
Papel e Celulose (na época Indústria de Papéis Leon
Feffer), Indústrias Madeirit e Rigesa Celulose, Papel e Embalagens.
A missão do Instituto, desde sua fundação,
consiste no planejamento, na implementação e na coordenação
de ações e gerenciamento de recursos, destinados a estudos,
análises e pesquisas na área de recursos naturais, com ênfase
na ciência florestal. Às vésperas de completar 50 anos
de existência, continua sendo um dos principais exemplos de sucesso
na sempre atual integração universidade-empresa. Férias...
Lembranças... Saudades.
Nota: A mania de carregar a caneta no bolso
ainda continua. Mas, com o passar do tempo, pretendo aposentá-la. |