O COMPANHEIRISMO, SEGUNDO PAUL HARRIS

 

            Após a excelente palestra proferida pelo companheiro Natin, na reunião interclubes  realizada no último dia 3, fiquei “matutando” o que será que Paul Harris pensava sobre “companheirismo”. Resolvi procurar a resposta no seu livro publicado em 1945, dois anos antes de sua morte. Abrindo um parêntesis, antes de entrar no assunto propriamente dito, o título do livro no original inglês é “My Road to Rotary” e foi traduzido para o português, em 1990, com o título “Meu Caminho para Rotary”.

A versão em inglês foi recentemente re-editada e em português está esgotada. Por causa disso, digitalizamos o livro que se encontra na internet, no site do Distrito 4310. Assim, ele pode ser consultado na tela do computador ou baixado e impresso. A vantagem da versão digitalizada é que torna possível, por exemplo, a pesquisa através de palavras-chaves. Foi o que eu fiz procurando localizar, no livro, todas as vezes que aparece a palavra “companheirismo”, tema desta palestra. Dessa forma quem estiver interessado em outras palavras, muito usadas no Rotary, como “freqüência”, “avenidas”, “tolerância”, etc., podem proceder da mesma forma. Antes de fechar o parêntesis, mais uma palavrinha sobre o seu livro: com 42 capítulos, ele começa o capítulo I da seguinte forma:

            Numa noite de verão, há muitos anos, três membros da nossa família, papai, meu irmão Cecil, de cinco anos e eu, criança de dois anos, desembarcamos do trem em Wallingford, Vermont. Na plataforma, tudo escuro. Apenas a luz vacilante de uma lanterna, segura por um homem alto que eu não conhecia, rompia o manto negro que envolvia o mundo. A cena inusitada ficou tão vivamente impressa na minha memória que jamais se apagará ou se ofuscará, enquanto eu viver,

            O homem alto tomou a minha, na sua mão enorme e forte, como a do meu pai, a qual estava quente e parecia ser própria para conduzir crianças através de terrenos irregulares. Com papai conduzindo Cecil, lá nos fomos, rua acima, num séqüito silencioso cuja solenidade se pronunciava pela escuridão da noite. Aquele homem alto era meu avô.

                Daí em diante conta sua vida, em detalhes, ao lado de seus avós, sem a mínima referência a Rotary, o que só acontece a partir do capítulo XXXIII.

Bem, fechemos o parêntesis e vejamos a visão de Paul Harris sobre “companheirismo” no seu livro “Meu Caminho para Rotary”.

Paul Harris, após se formar advogado, vagou pelo mundo durante 5 anos, após o que decidiu abrir um escritório em Chicago. Pois bem. Sua primeira referência ao companheirismo ocorre no capítulo XXXII, de título, “ Coloca-se uma Placa”, e dentro do seguinte contexto:

            Três meses antes dos cinco anos que me concedera para correr mundo e conhecer a alma humana cheguei a Chicago disposto a iniciar-me como defensor da lei. Minha juventude se fora. As aventuras e as viagens proporcionaram-me maturidade. Freqüentemente os homens, após haverem desprezado as oportunidades de adquirirem sabedoria, terão de suportar duras experiências. Afinal, assentei a vida ao início da primavera de 1896, quando a seiva subia nas árvores do meu vale e iniciava a reverdecê-las.

            A visão do companheirismo mundial dos homens de negócio e profissionais ainda não fora concebida. Havia necessidade de mais experiências. Mas os fundamentos já estavam postos. Seria de surpreender que uma mente sensível, havendo encontrado tanto bem em meio à maldade, tantos fatores de amizade em ambientes destituídos de afetividade, tanta razão para confiar e ter fé nos homens de negócio, pudesse visualizar aquele ideal?

            Chicago passava por tempos sombrios. Eu os tivera, também, e não queria acreditar que os teria ainda piores. Eu me considerava especialista no suportar dificuldades. Contava com os meus recursos muito limitados, e esperava que, logo após haver afixado a placa indicativa do meu nome como advogado, teria algum trabalho. Mas as coisas não eram tão fáceis. Nos primeiros tempos as minhas esperanças se reduziram a um grande zero.

            A segunda referência já ocorre no contexto rotário, no citado capítulo XXXIII, de título “ O 1º Rotary Club”. Ouçam que palavras maravilhosas:

            Para o pequeno grupo, oriundo de pequenas comunidades, o Rotary foi um como que oásis no deserto do sentimento, que era, Chicago. Suas reuniões eram diferentes das de outros clubes, naqueles dias. Eram mais íntimas, mais calorosas, muito mais amigáveis. Deixávamos, à porta de entrada, as nossas preocupações e idiossincrasias e, durante a reunião, voltávamos a ser as criaturas que fôramos em nossas origens. Eu esperava a hora da reunião com enorme impaciência!

            O conceito original de Rotary expandiu-se. Seus ideais se definiram; seu objetivo se fixou mas o companheirismo do início permaneceu como elemento de sustentação da sua estrutura.

            No capítulo XXXIV, Paul Harris descreve os primeiros passos da expansão do Rotary e as primeiras dificuldades para levar o ideal rotário à frente:

            Os adeptos de São Thomé convenceram-se e passaram a colaborar no trabalho de expansão. E, assim, continuou acontecendo de cidade a cidade, de país a país. Os meus cinco anos de peregrinação voluntária continuariam a dar bons frutos.

            Se a minha liderança houvesse sido dirigida com maior habilidade, ou meus planos mais firmes e previamente estabelecidos, eu teria tido, por certo, maior colaboração dos companheiros de Chicago, e andado mais depressa. Na verdade, a minha concepção de Rotary desenvolveu-se num processo contínuo e, de quando em quando, quase revolucionário. Eu concebera a doutrina amparada num companheirismo espontâneo. Pregara plena liberdade e plena despreocupação; concebera risos e canções. Os meus companheiros acorreram, sequiosos àquele conceito. Agora as coisas já não eram tão luminosas. E nesse dilema me pareceu mais fácil organizar clubes com novas intenções do que reprogramar os antigos sócios.

            Nesse capítulo há uma passagem que depois que li e reli, algumas vezes, nunca mais reclamei da falta de companheirismo, falta de compreensão e apoio, reclamações freqüentes de nossos presidentes de clube, ainda hoje, quase 100 anos depois da fundação do Rotary:

Era, para mim, quase uma frustração, o fato de que a maioria dos meus companheiros concebia, como um sonho fantástico a expansão do movimento rotário através do mundo. Nada é mais desconcertante que o olhar frio e o ar de mofa de amigos, de quem se espera apoio e colaboração. Compreendi, desde logo, que eu próprio, com minha ação pessoal, teria que provar a exeqüibilidade do meu ideal. Pus-me, pois, ao trabalho de tentar implantar Rotary em outras cidades do país. O meio único disponível era-me a correspondência. Os alvos foram os meus colegas dos bancos universitários de Vermont, Princeton e Iowa e os amigos e relações que fiz, durante os cinco anos de peregrinação aventureira, antes de fixar-me em Chicago.

            Foi um período longo de dolorosa expectativa. Sofri desesperanças amargas, alternadas por fases de vibração e otimismo sem, contudo, poder abandonar o meu trabalho de firmar-me na profissão.

            No próprio capítulo XXXIV ele retoma o tema “companheirismo” mais duas vezes, relacionando-o à concepção original ligada à amizade, de um lado, e ao princípio de classificações de outro.

            No capítulo XXXV relaciona o companheirismo com as diferentes profissões e no capítulo seguinte relata que esse sentimento rotário foi decisivo para os clubes franceses continuarem se reunindo, às escondidas, durante a  ocupação da França na II Guerra Mundial.

            No capítulo XXXVII, em quatro oportunidades,  associa o companheirismo à paz, à ação e trabalhos rotários e a uma homenagem recebida do Rotary Club de Wallingford, sua cidade de adoção. Ouçam que sábias palavras:

Cada fase evolutiva da vida moderna sofre influência do Rotary e a visão dos seus membros se alarga. Ainda mais que, sobre isso tudo, está a calorosa e doce sensação de companheirismo e amizade, que valoriza a vida. Estas são algumas das muitas razões pelas quais os rotarianos se orgulham da sua filiação.

            E não são somente os trabalhos meritórios, que enriquecem o Rotary. Os bons trabalhos são a expressão do que há a sustentá-los. As forças mais poderosas do mundo são invisíveis. A eletricidade nunca foi vista por nenhum mortal e, no entanto, é a energia que ilumina as cidades e move as fábricas. A gravidade, que ninguém ainda viu, faz despencar as águas do Niagara e dá existência àquela maravilha da natureza. Mesmo o ar que respiramos é invisível, no entanto, nos faculta a vida. O poder de Rotary é invisível mas pode operar milagres.

Iniciei esta palestra citando o Natin e termino com o último trecho sobre “companheirismo” do livro, lendo-o em homenagem a ele e ao Abreu, representando todos os rotarianos entusiasmados pela nossa causa.

Os rotarianos vêm demonstrando permanente e entusiástica lealdade a seus clubes. Muitos se mantêm de freqüência, ininterrupta por 30 anos ou mais. Clubes inteiros têm a freqüência perfeita por mais de cem reuniões consecutivas. Para muitos de nós a qualidade de rotariano significa a coisa mais cara da vida.

            Por quê este apego ao Rotary? É o amor do homem por seu semelhante. Despido de formalidades, de convenções e prevenções, a solidariedade explode espontânea. Rotary supera a linha das intolerâncias políticas e religiosas. Maometanos, budistas, cristãos e judeus comungam na mesma mesa, em perfeito companheirismo. Rotary é tão popular nas inúmeras castas da Índia, como em quaisquer outros países. Não há no seu seio o proselitismo. Os seus sócios são respeitados pelas suas opiniões, quanto aos assuntos de natureza controversa. A sua plataforma tem espaço suficiente para ter os homens unidos apenas pelas suas tendências amigáveis e de tolerância para com os pontos de vista dos seus semelhantes. Pelas suas qualidades altruístas.

Agradeço a atenção e as demonstrações de companheirismo e paciência de todos vocês, meus companheiros!

 

                (Fevereiro de 2003)

 

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